Lavoura
Arcaica,
de Luiz Fernando Carvalho
Lavoura
Arcaica, Brasil, 2001
Virtuosismo fotográfico sob a tutela de um diretor perdido em si
mesmo. A berraria verborrágica do personagem André (Selton
Mello) parece só reforçar a esquizofrenia barroca que faz
do filme um apinhado de belas imagens entulhadas. Todo o filme é
um exercício do Over, dos excessos: Selton Mello parece voltar
a seu arquétipo do maluco introspectivo que já encarnou
em novelas globais; Walter Carvalho mostra uma técnica invejável
na manipulação da luz mas não aponta para nada além
de uma beleza pura. O caráter opressivo da narrativa é colocado
no mesmo tom quase autista de André e parece estar sempre se esforçando
ao máximo para ser ainda mais belo, mais autoral a cada plano.
Liberto das limitações da televisão, Carvalho parece
ter dirigido o filme de um moleque desejoso e sem propósito (ou
cujo excesso de propósitos tenham-no deixado sem rumo). A grandiloqüência
das imagens só reflete insegurança: o filme parece estar
tentando o tempo todo provar a si mesmo (e ao público) se tratar
de uma "obra de arte".
Esse conceito de "cinema
de arte" parece perpassar as intenções do diretor:
na televisão e nos jornais, Carvalho cansou de repetir que se tratava
de um filme feito "da forma como ele queria". Esse desejo autoral
parece estar associado à "arte", e "arte" parece estar associada
a imagens difíceis e a virtuosismo. Fugir do óbvio imagético
como foge Carvalho não o leva a lugar algum além de um filme
fechado, lacrado na intenção de ser diferente. A diferença
do indivíduo diante da família e dos grandes meios de produção
de imagens (Rede Globo) parece ser o fio central que liga obra e autor:
a libertação individualista e descrente de diálogo
proposta por André, parece ser a voz de Carvalho que grita: "eu
sou capaz de ser meu próprio profeta!"
Esse desejo de se
destacar na multidão, de ser mais do que o meio em que se vive,
é o discurso do filme. O problema é que essa questão,
proposta pelo personagem de André, parece ser comprada por Carvalho,
fazendo da forma do filme, um espaço dessa libertação
atabalhoada e egoísta.
Carvalho e André
levam duas horas de projeção nessa pomposa tentativa de
sobrepor seu ponto de vista sobre os olhos do espectador: cada imagem
é posta de tal maneira, e ditada em off de tal forma, que
apenas a leitura poética ("artística") se torna
possível. Os silêncios do filme não funcionam como
amplidões dos sentidos, mas apenas como a reiteração
do discurso do autor-Carvalho: cada centímetro do filme é
colado num discurso unívoco e pesado. Os offs (mais uma
vez) são ferramentas covardes para se indicar Onde, Quando e Qual
é a emoção prevista para cada imagem.
Apenas na meia-hora
final de projeção, temos possibilidade de ver sem rodeios
a interpretação de Raul Cortez e de um Selton Mello mais
contido. Na cena da conversa pai e filho (e nas outras que se seguem após
a volta do filho para casa), Carvalho abaixa o tom do filme, se acalma
e consegue criar imagens que, ao invés de gritar beleza aos olhos
do espectador, criam uma atmosfera tão suave quanto poderosa. Raul
Cortez está perfeito nos últimos minutos de filme: a entonação
de suas frases mostra uma firmeza que o resto do filme não consegue
ter.
Lavoura Arcaica
impressiona por suas pretensões e decepciona pelo que apresenta.
Seu desfecho trágico não foge muito do discurso da "família
opressora se desmantela diante de rapazote rebelde", mas consegue
ser rica por ser incompleta: a narrativa não termina ali, se projeta.
Seja no irmão caçula que agora também sonha em fugir,
seja na morte não vista de Ana... O filme promete um passo adiante
que não vemos diante de nós. Um pouco como Carvalho que,
apesar de ter pesado a mão ao longo do filme, deu mostras de ser
um diretor habilidoso e capaz de, baixando um pouco a crista, brindar
(com ricas imagens, questões e estórias) esse hoje tão
apático cinema brasileiro.
Felipe Bragança
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