Quero
Ser John Malkovich,
de Spike Jonze
Being John Malkovich,
EUA, 1999
Os leitores viciados
em Contracampo devem ter notado a ausência de uma crítica
sobre Quero ser... Esse "crítico" mesmo já havia
levantado uma questão a esse respeito. O que esse filme tem que
fez com que ficasse tanto tempo sem ser comentado apesar de ter chamado
a atenção de todos os que foram ao cinema para vê-lo?
Talvez a resposta
esteja na personalidade esquizofrênica do filme. É um filme
estranho.
Estranho não
porque possui um argumento demasiadamente incomum, mas porque faz um uso
nada ousado desse argumento. É de se perguntar então qual
o motivo de se fazer um filme assim. É essa, por sinal, a pergunta
maior do cinema no momento.
Já não
é de hoje que o cinema é encarado como a melhor forma de
se legitimar como artista ou pessoa criativa e inteligente. Isso porque,
no grande acontecimento mítico que se tornou, esse evento não
busca mais nada a não ser se prolongar e garantir uma continuidade
nada questinadora de sua condição.
O cinema existe porque
tem uma tradição a seguir, e não mais para extrapolar
os limites da significação e representação
da nossa realidade. A linguagem usada por ele já está mais
do que estabelecida e tem um papel a cumprir: criar uma dissimulação
que substitua com eficiência o mundo ordinário e comum e
organizá-lo segundo uma narrativa que será compreendida
e assimilada. Cinema é uma instituição ocidental
e tem que ser reproduzido assim, do jeito que é.
Como conseqüência,
filmes narrativos, uma enxurrada deles, são feitos. Apenas para
cumprir metas de consumo setorizadas por grupos de consumidores diferenciados
e com expectativas variadas. Os filmes têm cara de filme forma de
filme e estrutura de filme. Ou seja: Os filmes não têm nada
que possa faze-los não parecer um filme. É obrigação
de quem faz filmes fazer com que eles sejam reconhecidos como filme e
nada além disso, para não causar estranhamento e não
abalar a base de instituição tão nobre e útil
e acabar criando um não filme que inauguraria uma nova ala de possibilidades
de criação e desenvolvimento de linguagens. Daria então
um trabalho terrível para controlar anseios das massas e essas
ficariam perdidas e pensativas jogando no lixo anos de empenho para consolidação
de uma estrutura aceita.
Seguindo então
a tradição ancestral do cinema narrativo, eis que surge
Quero ser John Malkovich. Um filme perfeito, que se encaixa maravilhosamente
bem dentro de tudo que um filme deve ser. Inclusive dá às
platéias aquele ar de obra inovadora e super criativa ao elaborar
um argumento esquisitíssimo. O filme é tão filme
que até a forma é de filme.
O que se tem é
um argumento louco em uma forma careta. Careta demais. Isso é inovador?
Para este que escreve continua sendo cinema velho, muito velho. E pergunto
mais. Qual é a vantagem de se realizar uma obra dessa?
Temos que entender
que enquanto não nos desvencilharmos da forma, nunca qualquer idéia
vai conseguir ser nova. Enquadrar um argumento desses em um roteiro mais
do que clássico não representa avanço nenhum. A linguagem
não está à altura do tema e isso é perceptível
durante todo o tempo do filme.
Quero ser John
Malkovich acontece como qualquer filme ruim. O roteiro deixa todas
as suas partes aparentes. É sydfieldiano até a medula
desconsiderando tudo de genial que a situação narrada possui.
Tentaram fazer um
filme libertário mas só conseguiram fazer um filme como
outro qualquer. Desperdiçaram uma grande idéia e uma possibilidade
de criar em uma forma caduca. Fizeram cinema como antigamente e só
me forçaram a "viajar" na hora de pensar em uma crítica.
João Mors Cabral
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