Jogo
de Espiões,
de Tony Scott
Spy
game, EUA, 2001
Jogo de Espiões
é um filme esquizofrênico. Quer ao mesmo tempo seguir a cartilha
Graham Greene/John Le Carré de histórias de espionagem e
a dos filmes de James Bond. Usar o universo e os personagens dos livros
e adaptações para cinema dos primeiros, com o mesmo tipo
de excitação e diversão do segundo (não que
Greene e Le Carré não sejam divertidos e excitantes, mas
eles não conseguem isto pelos mesmos truques dos filmes de Bond).
O
filme é dirigido por Tony Scott, o irmão menos pretensioso,
mas geralmente mais competente, de Ridley. O Scott mais novo nunca ambicionou
ser mais do que um eficiente "pau para toda obra" e é
exatamente esta falta de ambição, junto a algum talento
na encenação, que tornaram filmes como Maré Vermelha
ou Inimigo de Estado agradáveis ainda que bastante limitados
(do lado negativo, pode se dizer que este mesmo artesanato sem visão
pessoal acaba tornando Amor a Queima Roupa, apesar de um roteiro
de Tarantino, em mero exercício em sadismo). O problema aqui é
que o roteiro de Michael Frost Beckner e David Arata ambiciona ser uma
história séria sobre espiões e os compromissos morais
que eles são obrigados a fazer.
O
resultado é que Scott não sabe bem o que fazer com o material.
Em vários momentos se sente o esforço do diretor em anular
ou amenizar elementos mais interessantes que o filme possa ter. Admite-se
o que há de desagradável na atividade de espionagem, mas
tenta-se jogar para o último plano qualquer tentativa de discutir
se estas atividades são necessárias ou não. Ridiculariza-se
um pouco a CIA, mas não muito. O roteiro põe Robert Redford
agindo progressivamente mais como um namorado ciumento, mas Scott faz
o que pode para minar qualquer tensão homoerótica entre
os dois astros. E assim o filme segue ficando sempre no meio do caminho.
O
próprio uso de Redford e Brad Pitt reflete esta confusão.
De um lado tem que se admitir que Tony Scott é bem hábil
em acrescentar ao filme a bagagem de ícones de seus astros e usá-la
para criar alguma tensão geracional entre eles (o diretor usa referências
de Redford em Os Três Dias do Condor de forma bastante similar
a que havia feito entre Gene Hackman e A Conversação
em seu filme anterior). Por outro lado, os dois atores acabam anulando
qualquer tentativa séria de se discutir a amoralidade de seus personagens.
Pitt e Redford têm personalidades cinematográficas essencialmente
narcisistas de forma que fica difícil comprar as dúvidas
morais de Pitt, e a decisão de Redford de salvar seu pupilo é
escrita como uma tentativa de redenção, mas acaba soando
como se ele apenas estivesse se divertindo dando um golpe nos chefes.
Nisto
também não ajuda que, apesar da simpática tentativa
de fazer um filme para adultos, nem o diretor, nem seus roteiristas consigam
fazer seus personagens se comportarem como um. Scott, na falta de ação
física, exagera nos seus truques videoclípicos habituais
com movimentos de câmera e planos congelados gratuitos para pelo
menos meia dúzia de filmes. Mesmo assim, nas tentativas de Redford
em tapear seus chefes, Jogo de Espiões acaba conseguindo
funcionar como o tipo de diversão rasteira que os filmes de 007
intermediários, aqueles que não são tão criativos
como Moscou Contra 007, nem tão aborrecidos como o recente
O Mundo não é o Bastante, costumam alcançar.
É mais ou menos isto que o diretor no fundo ambiciona e nisto ele
é bem sucedido, mas fica a sensação de que tudo podia
ser melhor e a lembrança de outras bobagens mais prazerosas que
o diretor já nos deu.
Filipe
Furtado
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