O Bastardo,
de Nonzee Nimibutr

Jan Dara, Tailândia, 2001


Filmografia ascendente dentro do rico panorama asiático atual, é natural que o cinema tailandês desperte o interesse dos distribuidores brasileiros a lançar por aqui seus títulos. Só que, infelizmente, estes parecem ter começado pelo caminho errado, pois ao invés da sofisticação narrativa demonstrada por Apichatpong Weerasetakul em Eternamente Sua (este sim um digno exemplar), O Bastardo, como podemos antever pelo título brasileiro, não passa de uma sucessão de apelações e baixarias dirigida da forma menos imaginativa possível por NonzeeNimibutr, cujos dois trabalhos anteriores bateram recordes de bilheteria em seu país.

Trata-se da adaptação de um popular romance local, lançado em 1966 e que conta a vida de Jan Dara, filho de família aristocrática e rejeitado pelo pai, após a morte no parto de sua mãe. As primeiras imagens já antevêem o que sucederá pelas próximas duas horas, um Jan Dara pouco mais que bebê observa seu pai "passar a régua" em sua tia/babá na cama ao lado onde o garoto deveria estar dormindo, e narra em off que esta cena marcará sua vida. Apesar da ojeriza natural por seu pai, um camarada desprezível e que tem como princípio norteador de sua existência traçar qualquer coisa que use saia e não seja monje budista, Jan Dara, acaba, ao longo da vida, por repetir-lhe os passos.

Então, passam a desfilar pela tela toda sucessão de práticas sexuais e taras possíveis e imagináveis. Tome adultério, incesto, estupro, homossexualismo, abuso e o diabo a quatro. Parece criação de um Nelson Rodrigues tailandês, só que sem o senso crítico, o humor e, mais do que tudo, o talento do grande escritor carioca. E é principalmente a falta de uma visão crítica e distanciada para com o material filmado o maior defeito de O Bastardo. Ao invés de perceber e trabalhar o grotesco que tem às mãos de uma forma irônica, Nimibutr dá ao filme um tratamento solene, como se estivesse diante de um grande e intocável clássico da literatura universal. O resultado final, como não poderia deixar de ser, é ridículo, e nem os muitos momentos de humor involuntário que acabam por decorrer, nem a beleza gloriosa da musa oriental Christy Chung (vista também em Samsara e que interpreta uma amante de fé do pai, mas que, como não podia deixar de ser, pega também seu Jan Dara e sua irmã) justificam um interesse.

Explicando as razões que o levaram a realizar a adaptação, Nimibutr afirmou que foi com o livro Jan Dara que se iniciou a educação sexual de boa parte de seus conterrâneos. A julgar pelo filme, essa educação pode nos parecer no mínimo equivocada e temerosa, principalmente se a vida sexual dos machos tailandeses terminar da mesma forma que a de Jan Dara e seu pai. Espelhada, por sinal, em uma planta que floresce nos jardins da família, planta essa que, ao invés da árvore de Jorge Tadeu (guardiã do tesão e virilidade em uma antiga novela da Globo), está mais para as flores murchas oferecidas a sua amada pelo cartoon-conquistador nos primeiros momentos do antigo anúncio do remédio Tonoklen. Resta ao espectador, ao final desse patético fudevu, acreditar que o título em português se refere não ao protagonista do filme, mas aos responsáveis por sua realização.

Gilberto Silva Jr.