O
Escorpião de Jade,
de Woody Allen
The
curse of the jade scorpion, EUA, 2001
Após um longo período durante o qual os filmes de Woody
Allen encontraram problemas de distribuição no Brasil, sendo
lançados com um atraso de cerca de dois anos, o lançamento
de O escorpião de jade apenas seis meses após Trapaceiros
(2000), e a promessa da estréia de seu trabalho mais recente (Hollywood
ending) até o fim deste ano, parece que os fãs brasileiros
do diretor ficarão finalmente livres de uma espera absurda. Mas
serão realmente tantos os motivos para comemorar? Pelo que vemos
em O escorpião de jade, pode ocorrer um certo esfriamento
neste entusiasmo.
A atual fase da carreira
do diretor marca um retorno à comédia pura e, em seus projetos
futuros, parece não vislumbrar nada próximo da equilibrada
e criativa mistura de drama e comédia que fez a fama de Allen como
um dos grandes nomes do cinema, presente principalmente em seus filmes
a partir de final da década de 70 e durante os anos 80. Se em Trapaceiros
os resultados foram bastante próximos de seus primeiros trabalhos,
em O escorpião de jade, apesar de uma mistura de ingredientes
interessantes, estes parecem não ter produzido um produto final
tão agradável, embora longe de ser indigesto.
No filme em questão,
a idéia é trabalhar na linha das screwball comedies,
dos anos 30 e 40, misturando romance e comédia policial na história,
passada em 1940, de um investigador em final de carreira (Allen), que
trabalha para uma companhia seguradora e se vê em constante embate
com outra funcionária da empresa (Helen Hunt). Durante um jantar
social com os colegas de trabalho, os dois participam de um número
de hipnose e, posteriormente, são inconscientemente levados a executar
roubos de jóias. É um pressuposto bastante interessante
que inclui um elemento mágico bastante recorrente na obra do diretor
(Simplesmente Alice, Neblina e sombras, por exemplo). Como toda
screwball comedy, depende de um roteiro afiadíssimo, no
qual são fundamentais os diálogos que caracterizam o embate
verbal entre os protagonistas.
Aí surgem alguns
problemas. Os diálogos seriam realmente inteligentes? Alguns, mas
não necessariamente tão superiores aos que seriam produzidos
por alguns escribas profissionais do cinema americano. O roteiro também
apresenta algumas barrigas e fios soltos (também presentes em menor
intensidade em Trapaceiros) e a conclusão da trama policial
se dá de maneira um tanto quanto desleixada. Falhas no roteiro
são coisas bastante preocupantes quando lembramos que Woody Allen
foi sempre um roteirista de primeira, acima de tudo. Sinal de decadência?
A recorrência da questão do roubo de jóias, também
presente no filme anterior, indica alguma tendência à repetição.
Na direção, Allen demonstra uma correção um
tanto inexpressiva, sem criar nenhuma sequência marcante. O resultado
final fica bem distante de seus modelos, sendo o mais aparente deles Jejum
de amor de Howard Hawks. A mistura comédia-policial
funcionou bem melhor em Um misterioso assassinato em Manhattan,
enquanto a evocação de época foi mais certeira em
Tiros na Broadway.
Devemos destacar,
porém, o Allen ator. Pelo segundo filme consecutivo, ele investe
na construção de um personagem que, mesmo guardando suas
características básicas, apresenta uma identidade própria,
tornando inclusive perfeitamente crível a sua porção
conquistador barato, que corre atrás de mulheres jovens e gostosas.
Por outro lado, Helen Hunt não convence plenamente em um papel
que poderia lhe permitir desenvolver um pouco do tempo de comédia
que exercitou durante anos e de forma brilhante no seriado Mad about
you. Sua personagem não se parece com uma mulher dos anos 40,
mas sim com uma executiva contemporânea, e muitíssimo semelhante
a seu papel em Do que as mulheres gostam de Nancy Meyers. Quem
se sai melhor é Charlize Theron, no pequeno papel de uma milionária
assanhada que tenta seduzir Woody (!!) e guarda um certo quê de
Veronica Lake. E também temos uma participação de
Elizabeth (Showgirls) Berkley, que continua muito boa e merece
aparecer em mais filmes, mesmo que seja somente para enfeitar a tela.
Após uma análise
do conjunto, apesar das restrições e questionamentos aqui
apresentados, O escorpião de jade ainda se configura numa
comédia interessante. Um divertimento honesto que nos faz reforçar
o velho chavão que afirma que mesmo o pior trabalho de um grande
diretor é ainda melhor que a maioria das fitas que chegam a nossas
telas. Mas para que este diretor consiga manter sua reputação,
este mínimo não se fará suficiente durante um longo
período de tempo. Esperamos então que Woody Allen volte
brevemente a nos presentear com um grande filme, o que não acontece,
na melhor das hipóteses, desde Descontruindo Harry (1997).
Gilberto Silva Jr.
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