O Amor Custa Caro, de Joel Coen

Intolerable cruelty, EUA, 2003


Como Woody Allen vem fazendo força para demonstrar na maioria de seus últimos trabalhos, existe algo de bastante triste em se assistir o espetáculo que é um diretor de obra de peso e relevância no cinema ir se tornando cada vez menos importante e vital para o cinema que se produz, vê e discute no mundo. Pois, depois de começarem a indicar a entrada inequívoca neste caminho com O Homem que Não Estava Lá, os irmãos Coen assinam de vez o livro de ausência com este seu novo filme. Se no anterior nós víamos os realizadores trabalhando como crianças cansadas dos seus brinquedos, tentando uma última brincadeira exagerada com eles, neste aqui o tédio é declarado oficialmente o principal componente. O brinquedo (no caso o cinema) já não apresenta qualquer possibilidade de fascínio ou novidade, e só resta mesmo fingir que se divertem para tentar nos divertir com isso – mas é inútil.

Mais uma vez trabalhando dentro de uma mistura de sátira e homenagem a um gênero, os Coen querem aqui se referir às "screwball comedies" dos anos 30 e 40, onde há uma mistura de história romântica com insanidade completa e viradas constantes na trama. Só que, assim como era o caso no suposto "filme noir" de O Homem..., a homenagem é muito menos latente do que um certo excessivo distanciamento crítico entre autores e gênero. Em resumo, os diretores parecem não acreditar na força do gênero por si só, e cismam em colocar sua "marca autoral" como intermediário entre o espectador e o material que filmam, criando uma tela de distanciamento onde o produto final resulta frio e distante, como uma estranha cobaia num aquário, como um projeto científico de dissecação de uma estrutura, antes de um abraço real e sincero a esta. Nada em O Amor Custa Caro é genuinamente engraçado, simplesmente porque todos na tela (e por trás das câmeras) parecem estar fazendo força demais para que seja.

Mas talvez o pior mesmo no filme seja sua falta de coragem de investir alto no mais do que necessário mau gosto ao se lidar com o tipo de comédia que eles pretendem fazer – uma que critique frontalmente um certo estado de coisas nas relações amorosas americanas a partir dos advogados de casamento, dos matrimônios e acordos pré-nupciais, das noivas caça-fortuna. Tudo no filme parece maquiado para parecer de mau gosto, mas não sendo de mau gosto de fato – tendo sempre aquele risinho de lado de quem se exclui de todo aquele mau gosto. A comparação mais pertinente, até por sua recente exibição no Brasil, durante o Festival do Rio, é com o filme de John McNaughton, Falando de Sexo: tratando de temas bastante semelhantes, neste sim podemos sentir tanto a autêntica relação do diretor com seus personagens, como acima de tudo com o seu gênero, realizando uma comédia de autêntico (e por isso mesmo delicioso) mau gosto. Em McNaughton, o humor não tem vergonha de ser chulo e, acima de tudo, escrachado; enquanto no filme dos Coen rimos mais (quando rimos) da "esperteza" dos diretores do que de seus personagens ou da trama de que participam.

Ao final, fica na boca o gosto de um pequeno "conto moral" sobre a América de hoje, só que um sem qualquer novidade (as melhores piadas parecem saídas de esquetes envelhecidos de um Saturday Night Live qualquer) e sem crença em si mesmo. É bastante triste encontrar estes realizadores, criadores de um olhar efetivamente novo sobre seu país e seu cinema, onde ironia e carinho se misturavam em quantidades bem dosadas, absolutamente esgotados e sem saída. Woody Allen tinha bons 25, 30 anos de carreira ao cair nesta fase de carreira, os Coen têm mais ou menos a metade. Será uma pena vê-los saindo de cena do cinema mundial tão cedo, mas depois destes dois filmes é mais difícil ainda enxergar outro caminho.

Eduardo Valente