Entre
Quatro Paredes,
de Todd Field
In
the bedroom, EUA, 2001
Uma recorrência temática entre dois ou mais filmes num curto
espaço de tempo pode ser benéfica a todos eles, ou prejudicial
a algum, seja através de uma comparação entre os
trabalhos, seja pelo fato de apenas um ser privilegiado quanto ao seu
acesso ao público. As já proclamadas semelhanças
entre Entre quatro paredes e O quarto do filho, que já
começam pelo título (a tradução literal do
filme americano seria No quarto) pesaram desfavoravelmente ao segundo
em seu lançamento no mercado americano. Logo após a vitória
no Festival de Cannes 2001, o filme de Moretti foi adquirido pela Miramax
e proclamado como o já virtual favorito ao Oscar de filme em língua
estrangeira. Mas a principal pedra em seu sapato não foi qualquer
outro filme europeu, asiático ou latino americano, mas sim uma
pequena produção independente americana (obviamente lançada
no festival de Sundance) e que, assim como O quarto do filho, tinha
como ponto de partida para sua narrativa as mudanças e traumas
ocorridos em uma família após a morte de um filho bastante
jovem. A boa resposta a Entre quatro paredes junto à crítica
americana voltou a atenção da distribuidora quanto a seu
potencial na disputa dos principais prêmios e fez com que o lançamento
do filme italiano fosse transferido de novembro de 2001 para 2002, de
modo que a estréia na direção de Todd Field não
tivesse seu impacto reduzido. Além disso, a Miramax centrou seu
pesado arsenal publicitário em campanhas para Amelie, e,
obviamente, Entre quatro paredes.
É fácil
entender as causas que levaram a este favorecimento a Entre quatro
paredes. Além, é claro, da natural barreira da língua,
O quarto do filho, apesar de ser a meu ver a mais perfeita retratação
do sentimento de tristeza pelo cinema recente, é um filme de extrema
frieza, que evita a todo custo a pieguice e não proporciona qualquer
forma de catarse ao espectador. Apesar de Entre quatro paredes
também ser um filme bastante frio, as distintas circunstâncias
nas quais ocorrem as mortes, dizem muito sobre as diferenças enter
as fitas: neste o filho é assassinado pelo ex-marido da namorada
dez anos mais velha, enquanto o filho de Moretti morre em um acidente
durante um mergulho. Centrando agora nossa atenção em Entre
quatro paredes, que é o real objeto deste texto, o já
citado assassinato vai despertar nos personagens emoções
que, apesar de contidas, irão desembocar em atitudes drásticas.
Seus protagonistas, o casal Matt e Ruth Fowler (Tom Wilkinson e Sissy
Spacek) irão, a princípio, dentro de seu silencioso desespero,
esperar que a justiça acerte as contas por eles. Já o psicanalista
vivido por Nanni Moretti só tem contas a acertar consigo mesmo.
Todd Field desenvolve
seu filme em três movimentos distintos. O primeiro apresentando
os personagens e retratando as ocorrências que levaram ao incidente.
Nela o diretor demonstra alguma segurança, principalmente na caracterização
da pequena cidade pesqueira na qual se desenvolve a ação.
A compreensão de que estamos em um universo fechado no qual todos
se conhecem e se esbarram é fundamental para a determinação
do que irá se passar durante os momentos posteriores. Um senão
comprometedor nesta parte é a construção bastante
óbvia e previsível de Richard, o ex-marido (William Mapother).
No segundo movimento,
os protagonistas tentam retomar dentro do possível sua vida após
a tragédia em cenas repletas de silêncio e emoções
reprimidas. O diretor imprime agora um ritmo bastante lento e detalhista
e sua intenção é que fiquem esboçadas as emoções
dos personagens e sejam compreendidas as atitudes que serão tomadas
durante o terço final. Entretanto a inexperiência do diretor,
que gagueja na construção de algumas sequências, compromete
de certo modo o filme, gerando um certo tédio. Trabalhando bastante
em cenários fechados, Field demonstra ambicionar uma certa influência
de Bergman, que parece ser um peso muito forte perante sua imaturidade.
No entanto, a completa
entrega dos atores, cujo trabalho é responsável pelo real
impacto de Entre quatro paredes, faz com que o espectador mantenha
seu interesse. Tom Wilkinson consegue transmitir o gradativo desencanto
do pai num trabalho brilhante e contido, na contramão das caracterizações
pesadas que geralmente marcam as atuações premiadas. E tudo
é pouco para se falar de Sissy Spacek, uma grande atriz que andava
injustamente esquecida pelos meandros do cinema americano, que valoriza
apenas carinhas bonitas e simpáticas. Seu rosto sardento e agora
envelhecido transmite sozinho mais que qualquer linha de diálogo.
Caso o filme venha a ser lembrado no futuro, será pelas sequências
nas quais Ruth Fowler cruza com o assassino de seu filho ao comprar cigarro
ou quando ela explode ao receber em seu local de trabalho a visita de
Natalie, a namorada do filho. Esta é interpretada por Marisa Tomei
que também faz um trabalho bastante competente e maduro, completamente
despido de uma desagradável brejeirice que caracterizou a maioria
de seus personagens até então.
Durante a terceira
parte, o filme assume um tom de polêmica ao retratar medidas drásticas
que serão tomadas pelos protagonistas após defrontar-se
com a ineficácia do sistema judiciário e a expectativa da
impunidade para o assassino de seu filho. Entre quatro paredes
muda de tom e um certo quê de thriller substitui a frieza anterior
(retomada na sequência final). Mesmo considerando que o filme não
trate de forma canalha um tema escabroso, pois somos levados a entender
as ações dos protagonistas mas não a concordar com
elas, me parece um tanto quanto perigosa a abordagem do "olho-por-olho"
por um diretor que nunca deixa completamente claras quais são as
suas intenções, o que poderia levar a interpretações
equivocadas. Mas apesar dos problemas evidentes, Wilkinson e Spacek tornam
Entre quatro paredes digno de uma conferida.
Gilberto Silva Jr.
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