Infidelidade,
de Adrian Lyne
Unfaithful
, EUA, 2002
A primeira hora do novo filme de Adrian Lyne vai enganar muita gente:
será que ele finalmente cresceu e deixou de lado seu infantilismo
mortal? É o que parece porque ele encena muito bem o início
de um caso amoroso entre uma dedicada esposa e um jovem imigrante francês,
em algumas cenas cheias de tesão e menos "frufrus" técnicos
do que esperaríamos. No entanto, à medida em que o filme
avança vamos, lamentavelmente, descobrindo o velho Lyne de sempre.
E mais, descobrimos
que se aquela primeira hora nos deixa tomados pela trama é muito
mais pelo trabalho excepcional de Diane Lane que, não feliz em
conseguir dar a mistura perfeita de sensualidade e familiaridade a sua
dona de casa quase quarentona, ainda interpreta com muitos nuances todas
as mudanças de tom de sua personagem, indo da culpa à entrega
total, do tesão inicial à paixão, do carinho ao cansaço
com o seu marido. Mas se começamos a relembrar o filme a partir
da metade vemos que, da parte de Lyne, já havia mesmo no início
indícios de que o filme descambaria logo, logo.
O principal motivo
pelo qual o filme não poderia dar certo é a total falta
de química entre Lane e Richard Gere. Famoso como o Gigolô,
o grande sedutor, ele está aqui num interessante trabalho de escalação
de elenco pelo oposto, fazendo o marido traído e comum. Só
que, talvez empolgado com a possibilidade, ele carrega demais nas tintas
do seu "desinteressante" personagem, chegando às raias da incredulidade:
o que aquele vulcão de mulher estaria fazendo com este personagem
após 11 anos? Mas, pior do que uma simples questão de verossimilhança
narrativa, há uma incompatibilidade completa: enquanto Lane interpreta
um ser humano, Gere (e aí a culpa deve ir para Lyne antes de tudo)
faz um personagem de cartum. Não há como juntar os dois
no mesmo filme, quando eles contracenam parece que estão em dois
filmes distintos. Se Lane é só ambiguidade e empatia, Gere
torna seu personagem nulo. Sua virtude ferida é ridícula
em todos os momentos, mas Lyne piora ainda mais quando mesmo no seu único
ato de fato no filme, ele é "desculpabilizado" pela ingestão
de álcool.
Nulo até certo
ponto também acaba sendo o objeto de desejo da mulher, porque interpretado
por Olivier Martinez como uma encarnação dos desejos femininos,
porém sem qualquer traço de humanidade. Isso poderia ser
interessante, mas é apenas óbvio. O caminho mais fácil
não apenas para atingir o público, mas acima de tudo não
criar um verdadeiro dilema entre aquelas duas vidas. Martinez é
pouco mais do que um boneco inflável.
Mas o que realmente
incomoda no filme é o histrionismo extremo da trama urdida por
Lyne. Insatisfeito com simplesmente fazer um estudo de comportamento,
de tabus, de personagens enfim (o que, com a ajuda completa de Lane, o
filme parece conseguir no início), ele precisa se entregar a uma
óbvia, desinteressante e boba trama de suspense. Temperada com
o máximo possível de "golpes de roteiro" que criem situações
absolutamente inverossímeis para fazer a trama avançar.
A não ser, claro, que você acredite que na pequenina Nova
York toda vez que você sair com seu amante vai esbarrar com alguém
conhecido, que um elevador pára de funcionar quando você
carrega um cadáver nele, que um carro sofre uma colisão
traseira justamente quando ali no porta-mala está o cadáver.
Claro, são golpes velhos que quebram uma necessidade de verossimilhança,
dirão alguns. Mas junto com a verossimilhança se vai qualquer
verdade, e acima de tudo, qualquer seriedade do filme.
O objetivo com isso
é claro: fugir dos questionamentos mais complicados pelo viés
do subterfúgio. Quando você acha que os relacionamentos vão
ser postos em cheque, e a moral tradicional balançar, nada como
matar um personagem e envolver os outros no crime. Pronto, muda-se completamente
o filme, que fica quase inofensivo (só não fica totalmente
porque Lane continua lá, nos confundindo o tempo todo). Esta tática
do "morde e assopra" é moeda corrente no cinema americano atual
(vide Entre Quatro Paredes). Lyne tenta, inclusive, nos enganar
com um suposto final indefinido, onde poderia argumentar que o julgamento
moral final fica com o espectador. Mas é premissa falsa porque
só poderia ficar em dúvida aquele que comprasse por um segundo
a idéia de que a traição é justamente vingada
com o assassinato de uma das partes. Ou seja, adultério é
pior do que homicídio. Aqueles com um mínimo de bom senso,
portanto, não possuem qualquer "julgamento moral" a fazer.
A não ser,
talvez, de um diretor que ouse prometer tanto e nos dar tão pouco.
Melhor ficar na cabeça com a imagem de Diane Lane dizendo para
seu amante "Tomara que eu me canse de você", absolutamente sofrida
por saber que não deveria estar fazendo aquilo mas que não
consegue controlar seu desejo. O tipo de fala que, na boca de uma atriz
como ela, vale um filme, seja ele qual for e dirigido por quem for. Mesmo
Lyne.
Eduardo Valente
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