Garota Veneno,
de Tom Brady

The hot chick, EUA, 2002


Quando o filme começa com uma cena passada numa enorme construção antiga, com a legenda "Abissínia, 50 a.C.", nós já sabemos que ele não terá vergonha nenhuma de ir quão longe possa por um piada boba. Isso é, disparado, o melhor de Garota Veneno: não ter a menor vergonha de ser um filme de profunda bobeira e, principalmente, de profundo mau gosto. Antes de 10 minutos de filme já somos apresentado a, no mínimo, personagens que podem ser considerados ofensas aos negros, às orientais, às gordinhas, e aos homossexuais. Mas, como numa boa comédia dos irmãos Farrelly (e vale o destaque de que o diretor estreante do filme vem, por exemplo, de experiência como redator nos Simpsons), a falta de pudor em fazer piada com quem quer que seja esconde de fato uma crítica pouco ou nada sutil ao estereótipo do americano típico e seus sonhos de consumo, aqui encarnados na jovem "cheerleader" que acorda um dia com a alma no corpo de Rob Schneider.

Schneider, aliás, é um dos principais problemas do filme: ao contrário de Jim Carrey, Jack Black ou Ben Stiller, ele simplesmente é um ator sem graça (embora de inegável falta de "amor próprio" ou excesso de auto-imagem - algumas cenas nas quais ele se envolve estão acima -ou abaixo- do ridículo e do senso comum). Ele até possui sim um tipo engraçado (basta lembrar alguns momentos seus no Saturday Night Live), mas que numa comédia que é quase toda baseada nele, como esta aqui, não consegue sustentar por tanto tempo assim uma construção de personagem que não canse logo. A repetição em que o filme mergulha no que se refere à trama (e, com isso, nas piadas também) é o seu principal problema. Ao contrário dos Farrelly, Brady não consegue ir tornando seu filme mais e mais perturbador ou hilário, ao contrário, patina num mesmo tom por muito tempo.

Mas, também não se pode negar que há coisas realmente engraçadas no filme, a maior delas disparada sendo toda a construção da personalidade de Taquito, o jardineiro "hispânico" que Schneider interpreta quando a mulher que traz dentro de si vai visitar a casa dos pais. Além disso, há uma série de piadas bastante boas com relação aos "eventos amorosos" que esta troca de corpos propicia, em especial uma cantada da própria mãe dela a Taquito (que é ela, portanto um incesto homossexual), e os entreveros diferentemente homossexuais com o namorado dela (e o corpo de Rob Schneider) ou com sua melhor amiga (e a alma dela no corpo dele). São cenas que mostram um potencial de perturbação da ordem e do bom gosto médio das comédias adolescentes mais comuns, nas quais Brady parece disposto a investir. Não chegam a fazer deste aqui um bom filme, mas certamente dá para esperar algo dele no futuro, e arrancam algumas boas gargalhadas (ainda que a maior de todas isoladamente seja uma rapidíssima e sutil referência aos abusos sexuais clericais).

Eduardo Valente