O
Homem Sem Sombra,
de Paul Verhoeven
The Hollow Man, EUA,
2000
O Homem sem Sombra era um filme a
se esperar. Paul Verhoeven, seu diretor, depois de uma série de
filmes de interesse reduzido produzidos nos Estados Unidos, voltara a
sua melhor fase com Showgirls e Starship Troopers, dois
panfletos deliciosamente deselegantes e politicamente certeiros. Ver o
novo filme de Verhoeven, tendo em mente seus dois últimos, é
uma experiência decepcionante. Não só está
ausente toda a perspicácia e a esperteza do diretor holandês,
mas acima de tudo a força porralouca e a graça que preenchiam
e faziam toda a beleza de seus dois filmes anteriores.
Nesse filme, porém, Verhoeven se acomodou
e decidiu fazer o cinema ruim que estava acostumado, linhagem Instinto
Selvagem: vulgaridade sem humor, frivolidade sem graça, uma
historieta medíocre e uma direção burocrática.
Como achar algum interesse na história de Kevin Bacon, que aqui
interpreta um cientista genial e arrogante (adora se proclamar Deus) que
decide injetar em si mesmo o soro da invisibilidade para testar sua descoberta
e, se possível, dar uma ajeitadinha na sua vida emocional? Em O
Homem Sem Sombra, o personagem de Bacon dá razão à
câmara para se fazer de engraçadinha e dar uma de voyeurista
(a pornografia, sempre interessante até mesmo no pior Verhoeven,
é aqui extremamente desagradável) e de intrusona: logo no
começo do filme, Bacon olha para a sua vizinha do prédio
de frente, enquanto ela tira a roupa; sua primeira atitude como "homem
invisível" será entrar na casa dela para vê-la
nua e pregar-lhe uma peça.
Como pôde Paul Verhoeven, cineasta
muitas vezes talentoso, desperdiçar as chances que muito diretor
pediu a Deus? Afinal, um personagem invisível é algo de
infinitamente aproveitável no cinema (é só lembrar
do simpático Memórias de um Homem Invisível
de John Carpenter) e, hoje, com inúmeros efeitos especiais novos
à disposição, as possibilidades de fazer um uso criativo
e poético através das inserções nas imagens
aumentam muito. Pois bem, Verhoeven não é nenhum Brian de
Palma. À medida que de Palma consegue extrair poesia de um bando
de M&M's flutuando, Verhoeven só consegue nos fornecer um show
gore quando as cobaias passam da invisibilidade à visibilidade
e vice-versa (podemos ver um corpo se constituindo e desconstituindo a
partir das artérias, coração, veias, tecidos, órgãos,
derme até a epiderme). mas o pior de tudo é o final: não
contente com tanta chatice e burocracia da direção, Verhoeven
ainda nos dá uns trinta minutos em que um filme sobre a ciência
se transforma num filme de terror e o cientista sai matando, um a um,
todos os personagens do filme (!). Se o grande talento de Verhoeven reside
em saber filmar o lixo (social, ético, político), ele sempre
corre o risco de chafurdar nele. O Homem Sem Sombra certamente
participa desse segundo caso.
Ruy Gardnier
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