Hans Staden,
de Luiz Alberto Pereira


Hans Staden, Brasil, 1999

A empreitada é de fôlego. Pois o que dizer de um filme que se presta a narrar exclusivamente em tupi e línguas estrangeiras a saga do aventureiro Hans Staden? O filme optou por um naturalismo extremo, uma tentativa vigorosa de reconstituição das passagens desse alemão pelas mãos dos índios. A escolha das vozes é muito rigorosa também. Ao invés de eleger uma voz onipotente (o discurso em off) como o contador da história, essa voz é apenas o relato de viagens, tirado — imagina-se que tal qual — dos diários de Staden. Resulta daí um filme frio, distanciado e forte, um cinema ousado e que não concilia com os esqueminhas prévios do cinema comercial. Mas devemos ir um pouco além. À pergunta "Foi Luiz Alberto Pereira feliz ao realizar suas escolhas estéticas para Hans Staden?", devemos responder que parcialmente sim e parcialmente não.

Parcialmente sim porque é um filme em que o tempo tem um certo peso, o peso dos acontecimentos. O espectador não é guiado pela mão, ele tem que fazer o percurso de Hans Staden sozinho, sem um herói bonzinho, um vilão penetrante ou alguém para se identificar. Isso no cinema brasileiro histórico, é por si só digno de nota e meritório de defesa. Acresce a isso a interpretação dos atores, alguns irreconhecíveis como índio, porque se misturam muito bem à paisagem e, mesmo o bom observador notando que trata-se de atores e não de índios, o rosto de star não atrapalha o naturalismo com que as cenas são realizadas.

Mas igualmente Hans Staden desaponta. E talvez, ironia do destino, pela mesma aposta no naturalismo. Pois se os acontecimentos têm peso, os personagens não têm nenhum. Mesmo que tenham um excelente trabalho de interpretação, nenhum personagem é evocativo de nada. O cinema — e a arte imagética de uma forma geral — é forte por seu alto poder de evocação, que realiza como que um escalobnamento da imagem: uma imagem que remete a outra e a loutra, indefinidamente; uma imagem se sobrepõe à outra, de forma que o que uma vez era tela vai aos poucos transformando-se num túnel (uma tela sobreposta a outra ad infinitum) no qual o espectador pode entrar e ter a sua viagem. É exatamente isso que falta em Hans Staden. Uma imagem jamais remete à outra, em função do naturalismo de interpretação escolhido. Várias imagens poderiam curto-circuitar aquela época com a época de hoje, a cena final sobretudo. Mas isso pediria um esforço maior de trabalho sobre os atores, uma fala mais desligada da realidade tal qual.

O naturalismo, devemos notar, é atributo principlamente da televisão e do cinema oficial. Ele tem uma tarefa positiva nesse tipo de construção audiovisual: criar a verossimilhança para o desenrolar dos fatos e da história, que é o que realmente importa nessa modalidade da imagem em movimento. Por isso o tempo nunca pesa, por isso os filmes podem ser leves como uma pena. Ao contrário, num filme que pede para si uma fruição de tempo diferente da narrativa clássica, o uso do naturalismo parece um tanto descabido. Porque com isso nós temos verossimilhança mas não tempos história, nós temos o tempo mas não sabemos para que utilizá-lo (não nos é dada escolha). É por isso que há uma desorientação ao fim do filme: não se sabe exatamente o que se viu, mas sabe-se que não é exatamente uma experiência. Assim, uma palavra final sobre o filme: Hans Staden é admirável em seus pressupostos, mas falho na realização deles.

Ruy Gardnier