Halloween: Ressurreição,
de Rick Rosenthal

Halloween: resurrection, EUA, 2002


Sim, para aqueles que perderam a conta, este é o equivalente ao Halloween número 8 (já se filma, aliás, o 9). 24 anos depois de John Carpenter ter criado todo um gênero com seu filme original (o chamado "slasher movie", do qual seriam herdeiros diretos Sexta Feira 13 e A Hora do Pesadelo - que aliás terão este ano um filme lançado com o nome Freddy vs. Jason, o sonho de tantos adolescentes dos anos 80), os estúdios continuam achando uma forma de lucrar com estas franquias que parecem intermináveis (especialmente porque os filmes são feitos sempre com orçamentos modestos de fácil recuperação no mercado mundial de cinema e vídeo - o mais próximo de uma "aposta certeira" que há). Com isso tudo, é óbvio que sabemos que não há muito mais a se esperar em termos de estrutura do que mais uma reedição do suspense "Quem Será que Morre Quando", e como sempre desde o início sabemos também que a mocinha sobreviverá, e idem quanto a Michael Myers.

Isso tudo, como dito, são dados claros antes mesmo do filme começar. No entanto, o que não se pode perder de vista nos filmes de horror recentes é que eles se colocam num momento pós-Pânico, e até mesmo pós-Todo Mundo em Pânico. Ou seja, não só depois do filme que colocou em cena metalinguisticamente toda a construção do "slasher movie", como sua própria paródia. É complicado pensar, então, num filme que leve a sério, como se pôde levar em pleno 1978, a noção deste assassino serial. E é aí que entra em cena a esperteza de Rick Rosenthal (que, aliás, dirigiu o segundo filme da série em 1980 e depois ficou perdido entre episódios de séries TV e filmes absolutamente obscuros). Rosenthal sabe que não se pode mais filmar totalmente a sério um filme destes, e cria três sacadas simultâneas para ter apelo com a garotada atual. Primeiro, insere uma série de "inside jokes" que não chegam a ser ostensivas como as de Pânico, mas certamente têm sua graça (há, por exemplo, um personagem fascinado por serial killers, há uma série de referências a outros filmes numa festa a fantasia, há ainda Busta Rhymes interpretando um personagem no limite do ridículo completo). Segundo, faz a providencial "atualização" do tema, fazendo com que a situação central seja também uma "transmissão da internet" (o que além da óbvia referência à realidade virtual, ainda permite a utilização de bitolas digitais e pontos de vista à la Bruxa de Blair). E, por último, torna a figura de Michael Myers absolutamente "larger than life", muito mais um mito do que um personagem em cena.

Com estas jogadas, se Rosenthal não chega a criar um filme que vá ter a relevância que Blair e Pânico tiveram, ele ao menos se mostra um "jogador" bastante esperto em se adaptar às regras do gênero (sem nunca abrir mão, porém, do bom e velho sistema de lacerações e impalamentos, música baseada no tema original de Carpenter, e muita ruidagem altíssima para criar sustos). O fato é que, além disso tudo, Carpenter criou, com aquela máscara brilhante, um personagem que precisa de muito pouco para ser assustador. Em não atrapalhando muito, ele funciona por si só.

Cabe, ainda, uma observação que escapa até mesmo o controle de Rosenthal: Halloween: Ressurreição é uma das provas mais claras da sofisticada relação que o produto mais barato de produção do sistema de estúdios opta por estabelecer com seu espectador. Podemos citar como exemplo as discussões tidas em cenas sobre o que representaria a figura de Michael Myers (algo que poderia estar numa análise externa do filme, e que é colocado na tela), que chega até a citar (claro que pela via mais pop possível) teorias de Jung. Mas, a principal questão mesmo reside na metalinguagem e a discussão do domínio do olhar no cinema.

Embora aja uma longa distância entre um Rosenthal (muito mais um diluidor esperto) e um Brian De Palma, não se pode negar o interesse constante de Rosenthal neste filme sobre a questão do olhar e dos aparelhos de captação de imagens. Além dos mais óbvios momentos com as câmeras (e, aliás, Myers quase é morto por uma delas), como uma discussão em cena de que tipo de enquadramento causa qual tipo de sensação no espectador de um filme de suspense, há no filme uma sacada até óbvia, mas extremamente bem utilizada: uma série de personagens personificam o espectador em cena, ao assistirem o mesmo que nós por uma transmissão de internet. São, inclusive, os frequentadores da festa a fantasia com motivos cinematográficos, o que cria um jogo bastante irônico de personagens vestidos como outros personagens, sentados e assistindo o mesmo filme que nós. Inclusive, ao colocar na mão de um destes personagens a chave para a salvação daqueles que Myers quer matar, Rosenthal parece querer criar a ilusão mais próxima possível da interatividade entre espectador no cinema e filme, da inserção neste de quem assiste.

Tudo isso soa muito complexo, mas aí está justamente a grande graça deste tipo de produção: no filme, está tudo colocado e solucionado da forma mais simples e banal possível, como parte da narrativa. Impressiona esta capacidade sempre presente no cinemão americano de lidar com as questões externas ao filme, colocando-as na tela, tematizando-as e canabalizando-as na narrativa. Se Halloween: Ressurreição é apenas mais um filme, isso talvez seja o que ele possui de mais interessante. Não é pouco, e está longe de ser óbvio.

Eduardo Valente