O
Grilo Feliz,
de Walbercy Ribas
Brasil,
2001
Não é de hoje que o cinema brasileiro conseguiu estabelecer
um gênero onde dialoga facilmente com o público: o cinema
infantil. Pode-se tecer inúmeras idéias do porquê
isso aconteça, mas o mais importante é o fato. Que um filme
como O Grilo Feliz, que foi distribuído independentemente,
lançado em pouquíssimos cinemas e realizado ao longo de
20 anos de projeto, esteja há seis meses em cartaz, angariando
um ótimo público, é prova incontestável.
E O Grilo Feliz
serve para provar qual talvez seja a principal razão deste diálogo
com o público infantil ser tão diferente daquele com os
seus parentes adolescentes ou adultos: a criança não possui
preconceitos, nem desejo de se distanciar do que seja nacional. Ela ainda
não teve tempo de estabelecer tais conceitos, e o que a move é
tão somente o desejo de diversão, de magia. Para ela, uma
vez que os filmes estrangeiros são dublados, não faz diferença
qual a nacionalidade do projeto. E, com este coração e olhos
abertos, a identificação com o produto nacional é
a mesma que com o similar internacional. Nem mais nem menos. Talvez a
solução para o cinema brasileiro fosse que seu público
não aprendesse a ler as legendas... Claro que se trata de uma brincadeira,
de uma simplificação, mas é fato que mais na frente
começam as noções de que "cinema brasileiro é
isso", "cinema brasileiro é aquilo", e acima de tudo a vontade
de negar nossa própria imagem, nossa possível precariedade,
em troca do desejo de ser "melhor".
E não deixa
de ser belo o olhar infantil que, por exemplo, tem a grandeza de ignorar
a precariedade deste O Grilo Feliz. Porque, trabalho de mais de
20 anos de dedicação sem acesso a um verdadeiro estúdio
de animação, sem verba, sem sequer a continuidade de história
causada por tamanho tempo na realização, trata-se de um
filme enormemente falho. Como aconteceu com tanto da nossa produção.
E, no entanto, seu público alvo o abraçou tão somente
pelo que consegue ainda escapar dele de simpatia, de um belo traço
de animação, da tentativa de construir um universo ficcional
mágico. Só isso basta à generosidade do olhar infantil.
Que inclusive desafia a noção que podia ser a mais complicada
do filme: que seu longo período de gestação o tivesse
tornado anacrônico, pois afinal crianças dos anos 70 não
são crianças de 2001. Mas, embora o filme tenha sim marcas
deste tipo, a garotada parece não se incomodar.
Problema maior é
a franca desarticulação do roteiro, que provavelmente também
é produto de um processo tão quebrado e descontínuo.
Não se consegue delinear na narrativa a noção de
personagens, de desenvolvimento, de odisséia ou desafios. O filme
vai aos borbotões, como se recomeçasse a cada cena, a partir
de um esqueleto mínimo. Personagens são esquecidos ou surgem
do nada, linhas narrativas parecem deslocadas. Isso torna o filme um tanto
quanto cansativo pela incapacidade de agarrar a atenção
de todo. Outro problema é a necessidade excessiva da palavra falada,
pois o filme aposta pouco em efeitos visuais ou sonoros. Não se
fala aqui de efeitos no sentido de "gadgets" que custassem dinheiro, mas
tão somente de soluções, ganchos. Como quando o Grilo
acaba vestido de mulher, ou na cena das flatulências. A platéia
infantil reage imediatamente a este tipo de estímulo, e faz sentir
falta de que aconteça mais e mais, porque o intenso palavrório
cansa.
Mas, talvez o pior
do filme seja o que seu processo traz embutido. Afinal, se Ribas levou
20 anos para fazer este filme, é de se supor que dificilmente terá
uma continuidade de carreira. E é disto que o filme mais se ressente:
seus defeitos advêm do fato que é um esforço isolado,
não se trata de uma linha de produção. Assim, falta
o hábito de solucionar os problemas, e falta ainda a evolução,
a possibilidade de melhorar no próximo. Neste sentido, a animação
brasileira (no que se refere a longas, uma linguagem específica)
está sempre recomeçando, engatinhando, tateando.
Que bom que, mesmo
assim com todos estes problemas e ressalvas, o público se ofereça
ao contato e ao diálogo. Este contato e diálogo, se generalizado
e generoso como aqui, é o que podia de fato levar a um verdadeiro
"Cinema Brasileiro", com maiúsculas. Mas, quem manda as crianças
crescerem?
Eduardo Valente
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