À Espera de um Milagre,
de Frank Darabont


The Green Mile, EUA, 1999

Quando o general Newton Cruz há pouco tempo se candidatou ao Governo do Rio propondo, entre outras coisas a pena de morte, eu pensei: como será possível que as pessoas realmente acham que alguém deve ter o direito de decidir quem merece ou não viver? Eu também pensei: ninguém vai cair nessa... Claro que muita gente caiu, em especial a classe média e a elite, com seu eterno medo do povo, e possivelmente vendo aí uma chance de exterminar alguns...

Mas isso não é um manifesto político nem estudo sociológico. Apenas isso voltou à minha cabeça ao ver o filme de Frank Darabont que tem na pena de morte um de seus elementos (perdão...) capitais. Porque no público de uma sexta à noite no Largo do Machado 1, eu percebi o comportamento de quem votaria pela pena de morte, e me assustei. Assustei-me mais ainda com o cinema de Frank Darabont, que se disfarça de drama humanista, que parece ir contra o horror da pena de morte, e que cheio de boas intenções, está subrepticiamente (como caracteriza o pior do cinema americano) ideologizando pessoas como aquelas daquela sala sem que elas se dêem conta das opções que estão sendo feitas por elas.

O filme nem parece ser daninho no seu desenrolar. Tem um ritmo realmente fascinante pela lentidão, especialmente pela atenção a detalhes, tentando contar várias histórias ao mesmo tempo. O filme está localizado no corredor da morte, e me fascinou a possibilidade dele tentar um mergulho nos extremos das situações e sensações deste lugar que deve beirar a demência. Um personagem chama a minha atenção, um condenado interpretado por Graham Greene, que traz no olhar a capacidade de matar com o medo de morrer. O filme prometia, mas o personagem não passa nem três minutos em cena. Além disso o filme ousa confundir realismo com o inexplicável, algo sempre bem vindo, especialmente com a história do ratinho neste caso.

Mas a verdade é que ousar o mágico não tem valor em si. Afinal, o que propõe esta magia?? E aí é que o filme se complica, e muito. Por causa de dois personagens principalmente, mas não só. No fundo o que ele propõe pelo personagem que tem o "Dom" é que o Homem nunca poderá ter discernimento para resolver seus próprios problemas. Mas Deus (pelo seu Enviado) cuidará que os maus paguem, sofram a punição até da morte. Ou seja, Deus é a favor da Pena de Morte. Até aí nada demais, o Velho Testamento está todo baseado nisso mesmo.

O que realmente impressiona é que o diretor coloca o espectador na posição de Deus. Ou seja, ele consegue, através do mais vagabundo maniqueísmo, localizar claramente quem merece ou não morrer. Este mesmo espectador sai da sala de cinema convencido de que a vida é como o filme: é fácil ver quem merece ou não morrer, no mundo há os bons e os maus. E mesmo que a justiça não mate, Deus, através de seu enviado, vai infligir tanta dor e tortura nos maus que eles vão pagar. Fico assustado com as decorrências ideológicas disso.

Não há meio termo no filme. Os personagens maus o são em tempo integral (Wetmore e Billy), e para eles o Ser Divino assegura punições catárticas para a platéia, que incitam reações do tipo "É isso aí, eles merecem!!", e gargalhadas pela dor (merecida!!) alheia. Já os personagens bons o são em tempo integral também. E aí, o Ser traz a cura. No entanto, se essa é a visão de Deus, será que só os maus são punidos e todos os bons são aliviados de suas dores?? Isso é genial, pois exime até a justiça de funcionar. Entregue nas mãos de Deus. Até o câncer ele cura se você for bonzinho... Porra, quantos avôs e papais nós descobrimos agora que eram canalhas porque morreram de câncer. Se eles fossem de fato legais Deus não ia deixar eles sofrerem assim... Mais ingênuo impossível. Ou será mesmo esta a palavra??

Depois a pena final (quase imortalidade) do personagem de Tom Hanks reitera o Deus "mau" e vingativo do Velho Testamento. Mesmo tendo feito Bem o tempo todo, por ter matado Seu Enviado, ele merece punição. Em nenhum momento do filme há relativização. Personagens como Del (o condenado à morte "gente boa") não tem seus crimes especificados, para garantir a adesão do espectador. Não se abraça o erro nem os "defeitos" como parte sublime do que é o Humano e ficamos só vendo o julgamento dos maus e bons humanos por uma instância superior. E o pior é que isso propõe no fundo que nós podemos nos imbuir deste Poder (como platéias e cidadãos) e julgar também os Bons e Maus, porque afinal as opções que Deus faz não são muito difíceis de perceber. Este tipo de falso Humanismo está muito próximo do fascismo.

Dentro deste quadro é até menor perceber que o filme usa todos os dispositivos possíveis para provocar a catarse barata da platéia, ou seja, aquela já tão induzida que nem importa nada, é só ver aquele ângulo, aquela câmera lenta, aquela trilha chorosa, e pronto ninguém agüenta. Discutir estética, em alguns casos, chega a ser crime, passível de morte...

Eduardo Valente.