O
Gosto dos Outros,
de Agnés Jaoui
Le
gout des autres, França, 2000
Existem algumas afinidades entre Castella, o protagonista de O gosto
dos outros, interpretado por Jean-Pierre Bacri, e o personagem de
Woody Allen em Trapaceiros. Ambos não se sentem confortáveis
face a sua condição social e perante as obrigações
inerentes a seu status de empresário. Guardadas as devidas diferenças
entre os filmes, vemos dois personagens perante o conflito de manter casamentos
até certo ponto estáveis ou procurar a satisfação
pessoal por outro estilo de vida. Mas enquanto Woody se volta para a simplicidade
do passado, com os jogos de baseball e seus pequenos golpes, Castella
vê descortinar-se diante de si um novo horizonte a partir do contato
com Clara, sua professora de inglês e também atriz de teatro,
por quem ele passa a sentir-se atraído.
O tédio do
personagem fica claro desde o início, quando este não demonstra
a menor paciência para reuniões de negócios. Castella
é uma pessoa simples, um "self-made-man" do interior
que enxerga com estranhamento as circunstâncias da economia globalizada.
Quer apenas administrar sua transportadora de uma forma familiar e se
vê obrigado a andar acompanhado de um guarda-costas, negociar com
iranianos e aprender inglês. Em seu primeiro encontro com Clara,
pede a ela se não poderia ensinar-lhe inglês de maneira divertida.
O gosto dos outros
é um retrato crítico e carinhoso da burguesia francesa provinciana
(o filme se passa em Rouen) e seu roteiro, escrito por Bacri e por sua
esposa, a diretora Agnès Jaoui, se desenvolve principalmente através
do contraste entre seus personagens. O contato de simplório Castella
com Clara (Anne Alvaro) e seus amigos artistas, a partir de uma ida a
contragosto ao teatro, dá o ponto de partida para que se disparem
farpas tanto para uma elite econômica, como também para uma
elite intelectual pretensiosa, que aceita Castella em seu meio para fazê-lo
motivo de deboche. Clara, por sua vez, sente-se incomodada ao ver o empresário
invadir sua vida.
Trata-se acima de
tudo de um filme de personagens e, se até agora tratamos apenas
de Castella, é por que ele serve de ligação entre
os demais elementos da trama. Na mesma ida ao teatro, seu motorista Bruno
(Alain Chabat) e seu segurança Franck (Gerard Lanvin), travam contato
com a garçonete Manie, (vivida pela diretora). Ela travará
um romance com Franck, marcado pelo conflito entre o temperamento libertário
da moça, que faz de seu apartamento um ponto de venda de drogas,
e o conservadorismo do policial aposentado. Bruno, por sua vez passa a
dar conta de que leva uma existência insossa, ao ser ignorado pela
noiva, que foi para o exterior a trabalho e a comparar sua vida sexual
quase nula com a do ativo Franck. Além disso, tem que aturar as
esquisitices da patroa, a esposa de Castella, que acha mais conveniente
relacionar-se com animais e com seres humanos.
Toda essa gama extensa
de personagens e tramas parece sugerir que o filme não os desenvolva
de forma conveniente, mas isso não acontece. Tudo converge para
um conjunto harmonioso, no qual temos um dos melhores roteiros escritos
para cinema nos últimos tempos. Jaoui e Bacri demonstram toda a
experiência adquirida como colaboradores de Alain Resnais (Smoking/No
smoking, On connait la chanson), criando personagens bastante
verossímeis, de uma humanidade comparável aos dos filmes
de Truffaut.
Na direção,
Agnès Jaoui executa um trabalho sóbrio e até certo
ponto demasiado acadêmico, mas que se revela extremamente adequado,
não distraindo a atenção do espectador da riqueza
dos personagens, situações e diálogos. Estes, através
dos já divulgados problemas com a legendagem das cópias,
podem ter sua leitura prejudicada, mas confesso que, apesar de não
saber francês, não senti maiores problemas frente à
riqueza do conjunto. Sem as pseudo-modernices e esquisitices que vêm
fazendo o sucesso de Amelie Poulin mundo afora, O gosto dos
outros, é, mesmo com seu rigor formal, uma das mais interessantes
produções francesas recentes.
Gilberto Silva Jr.
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