Navio Fantasma,
de Steve Beck

Ghost ship, EUA, 2002


Navio Fantasma repete a fórmula de 13 Fantasmas, filme que o diretor Steve Beck havia rodado anteriormente: uma estrutura estática (o navio do filme mais recente não pode sair do lugar, por conta de um buraco no casco), de elevado valor arquitetônico, onde um grupo de pessoas é encurralado por fantasmas. Em 13 Fantasmas o lugar era a casa de um milionário. Em Navio fantasma é o transatlântico italiano desaparecido há décadas, uma verdadeira obra de arte flutuante. A ganância retarda a saída das pessoas da casa, ou do navio, pois todos sentem que têm uma fortuna em mãos e não desejam deixá-la escapar. A perseguição dos fantasmas vem como punição, assim como as desavenças internas do grupo de mercenários que dá de cara com o navio desaparecido também parecem derivadas da ganância que cada um desenvolve a partir da cena em que acham o ouro escondido na embarcação sombria. São situações que parecem tiradas dos contos de Edgar Allan Poe (citado por um dos personagens de 13 Fantasmas), mas que não obedecem ao suspense gradual do escritor, e sim querem mostrar tudo de uma vez (não há criação de suspense, há apenas pressa e impaciência). O diretor se repete de tal maneira que seria possível falar dos dois filmes utilizando os mesmos termos. Mas façamos com que o presente texto diga respeito somente àquele que está em cartaz.

O filme é um atropelo só. Os galopes pesados da narrativa geram uma trajetória forçada. Tudo acontece rápido demais. A escolha de um grupo de pessoas ao invés de somente um ou dois personagens, além de possibilitar um maior número de mortes (com suas respectivas variações de estilo), exime o roteiro de trabalhar a fundo qualquer um dos membros do grupo. O filme passa a impressão de que se não corresse dessa maneira não chegaria no final a tempo, isto é, a quantidade de situações que decidiu explorar é tamanha que acaba sendo necessária a resolução em poucas palavras e muita explosão. E seriam realmente muitas as situações? Até que não: o breve prólogo, a apresentação do grupo de caçadores de tesouros antigos (espécie de piratas de navios abandonados ou naufragados), o contato com as entidades fantasmagóricas do navio, a descoberta do causador de tudo, o desfecho. O que se pode concluir, então? Talvez Robert Zemeckis tenha alcançado alguma conclusão, afinal ele produziu os dois filmes de Steve Beck aqui citados.

Nada sobra para os personagens em Navio Fantasma, a não ser os clichês. O roteiro não quer perder tempo construindo personagens, tampouco conflitos entre eles, por isso usa os estereótipos já sacramentados pelos outros filmes do gênero. A pressa em mostrar o que vem depois interdita a apreensão não só da imagem presente (tão rarefeita quanto um fantasma), mas do próprio suspense, em primeiro lugar. Não há tempo para o espectador entrar no clima, ele antes precisa tomar cuidado para não engasgar com os planos de milésimos de segundo que se sucedem na tela. As exceções na composição revelam uma sensibilidade um tanto perdida em meio ao exagero que conduz a maioria das imagens.

Um primeiro bom exemplo é o plano que vem logo após o prólogo de 13 Fantasmas, um lento giro de 360o que mostra a passagem de tempo na família do protagonista, desde os momentos de felicidade até a decadência advinda da morte da esposa num incêndio; cenografia e figurino mudam drasticamente ao longo do plano, e o falseamento do espaço fílmico se dá pelo uso do material "original" do cinema (a fotografia desse plano não parece ter sido incrementada na pós-produção; o som em off nos traz os gritos das pessoas na hora do incêndio, o choro no hospital etc; a mudança no cenário é física, ou seja, coisas sólidas saem para que outras entrem, sendo o tempo de giro da câmera o tempo de rearranjo), o que definitivamente não é a tônica dominante nesses dois filmes de Steve Beck, tão afeito aos suportes digitais e às manobras radicais de câmera. O segundo exemplo seria a seqüência inicial de Navio Fantasma. A grua passeia por sobre as cabeças das pessoas que dançam no baile a bordo do belo transatlântico, os travellings no interior do salão são bem dosados, as cores estão no lugar certo... até que a mão sutil é finalmente substituída por uma tonelada de mão de Steve Beck. A cadência inaugural acaba quando um cabo de aço tencionado por forças sobrenaturais atravessa o navio decapitando passageiros ou cortando-os ao meio, numa cena que desperta risos nervosos na platéia. Daí em diante é videoclipagem e maquiagem de monstro para fã de Slipkinot algum botar defeito.

Um navio fantasma com um tesouro e um grupo de competentes corsários atrás deste tesouro, sendo que há um traidor infiltrado no grupo. Nada mais batido, decerto, porém pode haver uma proposta que, embora parta da matriz antiga, consiga ser inventiva e justifique a manutenção do gênero. E aí entra o problema, pois aquilo do que o diretor dispõe para revitalizar a fórmula chega a ser risível: cenários virtuais e aceleração da imagem! – não contente em apenas lançar mão de seu estrepitoso repertório cinemático, o filme ainda o anuncia com exclamações. Muito sangue, muita correria e pouquíssima consistência. A suposta situação-limite, em ambos os filmes, não enreda nada de interessante. Por mais que as intenções de Steve Beck pareçam claras, ou seja, fazer terror-enlatado que não obrigue ninguém a pensar muito (diferenciando-se dos suspenses enigmáticos na linha O Sexto Sentido), seus filmes continuam deixando a platéia em dúvida, a ponto de surgir a pergunta: susto ou riso?

Luiz Carlos Oliveira Jr.