Geração
Roubada, de Phillip Noyce
Rabbit-Proof
Fence, Austrália, 2002
O prêmio do
público conquistado por Geração Roubada na
última Mostra de Cinema de SP diz bastante sobre o que busca uma
parcela significativa das platéias cinematográficas de hoje
em dia e sobre algumas transformações que atingem a programação
do que se convencionou chamar de "circuito de cinemas de arte"
ou "circuito alternativo". Outrora mais dedicados à divulgação
de filmes que apresentassem alguma diversidade em orígem ou linguagem,
tais salas hoje parecem fugir apenas do perfil lançador de grandes
blockbusters (como Matrix e similares, sem dúvida
objetos de consumo associados ao dístico adolescentes-shopping),
mas sua programação atualmente privilegia um produto direcionado
ao público adulto, mas de caráter inequivocamente comercial,
distante de exercícios de criação ou renovação
da linguagem cinematográfica.
Voltemos, então,
à última mostra de SP. Se Geração Roubada
lidera o ranking dos espectadores, obras-primas de cunho pessoal
como Vai e Vem ou Adeus Dragon Inn aparecem bem distantes
do topo desta lista. Isso nos sugere concluír que um número
expressivo de frequentadores do evento (e também de setores da
crítica), que deveria manifestar algum interesse por formatos de
cinema mais variados, se satisfaz mesmo é com o produto convencional,
apresentado com uma fachada superficial que pressupõe alguma espécie
de "qualidade temática" ou "mensagem humanista".
A repercussão de Invasões Bárbaras é
uma das mais inequívocas manifestações desta tendência.
No caso específico
deste último filme de Phillip Noyce, o diretor australiano aplica,
de forma semelhante ao que vimos no anterior O Americano Tranqüilo,
toda a experiência adquirida em mais de uma década na regência
de filmes de ação em Hollywood em seu regresso a sua terra
natal contando uma história verídica, repleta de matizes
humanistas e politicamente corretos. A trajetória de três
meninas aborígenes, afastadas de sua família e recolhidas
a um campo reeducacional destinado uma política de "embranquecimento"
que foge e erra durante meses pelo deserto tentando regressar à
aldeia natal, parece encerrar seu tema e em seu caráter de denúncia
social uma espécie de "valor" que aparentemente a tornaria,
na visão de alguns, um produto superior a, por exemplo, as fitas
que Noyce realizou com Harrison Ford (Jogos Patrióticos e
Perigo Real e Imediato).
Geração
Roubada, contudo, em sua essência, não é muito
diverso, com sua narrativa linear e convencional, centrada em um roteiro
episódico, que procura envolver/comover o espectador com o drama
das garotinhas. A seu modo, não passa de mais um filme de ação
recheado de contornos melodramáticos. É certo que Noyce
consegue fazê-lo com uma certa eficiência, apesar do tratamento
superficial, que subaproveita sobremaneira o mais interessante entre os
personagens – o rastreador aborígene encarregado de seguir os passos
das fugitivas. Seu conflito pessoal entre o servilismo e a fidelidade
às suas orígens, que poderia agir como uma espécie
de diferencial para o filme, nem de longe é explorado a contento.
Mesmo apresentando
alguns acertos, como o fato de se evitar um clima excessivamente apelativo
e a satanização da personagem de Kenneth Branagh, responsável
pela política de reeducação (o que poderia aproximar
o filme do desastre total chamado Em Nome de Deus), ou a fotografia
de Christopher Doyle, bem distante do colorido e da vulgarização
de paisagens e da natureza que assola filmes passados em cenários
naturais, Geração Roubada, que como já dissemos
está longe de ser ruím, também não chega a
ser um fil;me especial, com aquele algo mais que justifique o impacto
causado na platéia paulista, além dos fatores anteriormente
apresentados. É apenas mais um filme, e só. Enquanto isso,
grandes filmes como La Cienaga de Lucrecia Martel, Shara de
Naomi Kawase ou Demônios Batem à Porta de Jiang Wen,
permanecem longe de um lançamento comercial no Brasil, sem espaço
no limitado circuito de salas que deveria recebê-los, confinados
ao gueto dos festivais, e, o que é ainda pior, subestimados pela
maior parte do público frequentador dos mesmos.
Gilberto Silva Jr.
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