Garotas de Futuro,
de Mike Leigh



Career Girls, Inglaterra, 1997

Talvez nenhum cineasta no mundo hoje seja tão dramaturgo quanto Mike Leigh. Poucos cineastas hoje se preocupam com a questão da interpretação de uma forma tão particular quanto ele. E não estamos falando do tão alardeado "método Mike Leigh de dirigir elenco", com ensaios especiais, etc. que foi citado em cada uma das críticas sobre Garotas de Futuro (Career Girls, 1997 - mais um de Leigh que por pouco não nos chega, mas um dos de qualquer um que quase nos são negados. Sabe-se lá o que será de Topsy-Turvy). Atualmente, a interpretação ou fica no lugar do realismo documental, e se conseguem performances surpreendentes, como a de Hilarry Swank, em Boys Don’t Cry, porque "se acredita" na verdade da cena ou se reconstrói dramaticamente o real e se tem o que fazem desde Tsai-Ming Liang até Altman.

No caso de Mike Leigh, no entanto, a interpretação serve como um elemento outro de suas cenas. No cinema de Leigh, e particularmente neste Career Girls, o personagem efetivo é um sistema de construção, a própria maneira como se interpreta. É "interpretação" mesmo o que se faz nos filmes de Leigh, ou seja, leitura das coisas por atores (e pelo diretor), é nos gestos, nos olhares, nas falas, nas maneiras de se produzir empatia com o público, não em um sentido superficial, riso ou choro, mas no sentido da reação, que se coloca o trabalho.

Então, Garotas de Futuro é de Katrin Cartlige e Lynda Steadman, como era de Brenda Brethlyn o Segredos e Mentiras. As duas - e o resto do elenco, é verdade - não estão preocupadas em ser naturalistas - embora suas interpretações sejam consistentemente reais - nem com ser mais ou menos emocionantes, mas com lerem a questão que está no filme: a mudança.

As moças que se reencontram depois de anos são mesmo um pretexto. O importante é a constatação de como mudam e como continuam as mesmas. O interessante do filme de Leigh é que neles as personagens, absolutamente demarcadas, nervosas, definidas, calcada cada uma em uma esquisitice, deixam-se envolver pelo tempo e por sua passagem. Leigh não busca uma "natureza humana" que perdure, uma "conservação de traços originais": os tiques nervosos do passado não precisam se conservar e nem corresponder a uma característica específica dos personagens no presente.

O passeio das moças é, então, deleite puro de uma boa filosofia do tempo, bem lida por excelentes atrizes (e atores), com um grande pensador da interpretação como diretor. Justifica existir o cinema e justifica que ainda haja arte dramática.

Alexandre Werneck