Fuso
Horário do Amor,
de Danièle Thompson
Jet
Lag, França/Inglaterra, 2002
A proposta mercadológica, mais que
estética, é escancarada no início. Uma voz feminina,
de Juliette Binoche, diz com todas as letras: "Meu sonho é
viver um dia como em um filme americano". Viverá. Mas o filme
em questão, o tal Fuso Horário do Amor, é
falado em francês, tem atores franceses e passa-se em Paris. No
entanto, trafegando por um gênero praticado à exaustão
pelo cinema americano nos anos 30 e revitalizado mercadologicamente nos
últimos vinte anos, a intenção é clara: não
acrescentar nada ao modelo, mas sim adaptar-se a seu estatuto. Não
cairemos no lenga-lenga de detectar se seu conteúdo e forma são
americanos ou têm algo francês, porque essa nacionalização
de procedimentos dramáticos e estetéticos é o mais
curto caminho para se enterrar um enfrentamento crítico com qualquer
filme. Nos interessa apenas ver como, ao tentar se adequar a uma matriz,
mas para se referir ao universo francês, com astros franceses (Juliette
Binoche e Jean Reno), Danièle Thompson se vira. E vira-se mal,
julguemos logo.
Estamos em mais um embate entre um homem
e uma mulher de temperamentos e características incompatíveis,
que passam a maior parte do tempo em oposição verbal e se
descobrem atraídos justamente por essa diferença. Essa conclusão
é feita de cara, no primeiro encontro entre eles no aeroporto,
e o restante é redundância. Porque o roteiro limita-se o
tempo inteiro a apresentar os dois personagens por meio de diálogos
nos quais eles falam um do outro ou cada um fala de si mesmo um para o
outro em um quarto de hotel onde passam uma noite enquanto esperam seus
vôos adiados saírem do chão. E essa apresentação,
acrescentemos, serve exclusivamente para ridicularizá-los. Suas
características só existem para rirmos delas, pois o humor
não está nas situações, mas no próprio
jeito e comportamento deles. Ela é uma perua toda montada, com
casaco com gola de pele, esmalte vermelho, uma bolsa lotada de apetrechos
de maquiagem. Ele é um sujeito cheio de manias e com humor zero.
Ambos transportam na bagagem cicatrizes afetivas e têm planos de
futuro longe da França. Ela está de partida para o México,
onde tem emprego bom como esteticista. Sai sem boas lembranças
de seu país. Ele vive já há anos em Nova York, onde
reina no ramo de congelados. Não suporta a idéia de passar
sequer algumas horas na França.
A noção de lugar é uma
questão no filme. Além de estarem de passagem ou de partida
pelo país de origem, como se esse não servisse para os dois,
as seqüências passam-se no aeroporto e em um hotel, locais
de transitoriedade e de experiências efêmeras. Não-lugares,
como se diz. Pois será nesse espaço impessoal, em campo
neutro, que eles reatarão com a França. Precisarão
antes romper com ela, abrir-se para o mundo e para novas fronteiras (afetivas,
geográficas), de modo a regressar por opção, não
mais por condição. Esse é um dado interessante para
voltarmos à questão inicial, de adaptação
à matriz da comédia romântica americana. Esses não-lugares
são o próprio território do filme no cinema, com
sua desvinculação à uma concepção de
cultura nacional, e usá-los como cenários é uma forma
de fazer sua auto-defesa. Danièle Thompson aposta no pressuposto
de que o amor e o humor são internacionais. Nenhuma característica
tornaria seu filme de algum canto específico, ou faria dele uma
cópia de modelo estrangeiro. No entanto, como se passa na França,
com personagens franceses, o filme é francês. O único
problema é que, seja lá de onde for, o resultado é
burocrático, com uma crônica incapacidade de surpreender,
seja porque se repete desde o início, seja porque a direção
é bocejante. Em matéria de comédia romântica,
uma das vertentes mais medíocres do cinema, Fuso-Horário
do Amor é falha dupla. Como comédia e como romance.
É um desafio rir e acreditar no amor durante a sessão. Talvez
depois dela.
Cléber Eduardo
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