Frida,
de Julie Taymor
Frida,
EUA, 2002
Podemos resumir toda a idéia e concepção cinematográfica
de Frida em um único fato: a belíssima Salma Hayek
interpretando, com pouquíssima maquiagem, a personagem título,
notória e sabidamente manca, feia e dona de um vistoso buço.
Caímos, desta forma, num clichê que rege a lógica
de cine-biografias praticamente desde que Hollywood existe; a reinvenção
de uma personagem real, de caráter muitas vezes controverso, conforme
um ideal de torná-lo mais acessível ou palatável
a platéias mais numerosas e pouco informadas.
E essa reinvenção
se dá, no caso deste filme dirigido por Julie Taymor, pela apresentação
de Frida Kahlo como uma mulher sofredora em detrimento de seu lado militante,
de sua forte identidade bissexual, ou mesmo de sua criatividade artística.
É certo que tais facetas não são completamente ignoradas,
mas também são apresentadas apenas de forma tangencial.
A maior parte do tempo de projeção é gasto com uma
Frida de saúde frágil, devido ao grave acidente de bonde
sofrido na adolescência, que acabaria por levá-la a longos
períodos de cama, inúmeras cirurgias e cujas consequências,
a longo prazo, acabaram por ser determinantes para sua morte aos 47 anos.
A narrativa de Frida
é guiada, além dos problemas de saúde, pelo relacionamento
de Frida com seu marido, o também pintor Diego Rivera (Alfred Molina),
mostrado como um sátiro oportunista e de cabeça dura. A
Frida do filme sofre tremendamente com as traições do marido,
mas não é mostrado que ela teria tido uma vida sexual tão
ou mais ativa quanto a dele, e, quando estes casos surgem, como por exemplo
o envolvimento com Trotsky, tal teria se dado apenas quando seu casamento
já se encontrasse extremamente deteriorado. Então, mais
que uma mulher e artista de temperamento forte, temos uma espécie
de mártir, idéia essa fortemente refletida pela imagem da
Frida inconsciente, atravessada por uma barra de ferro e coberta de ouro,
logo após o acidente de bonde, que parece remeter a uma pintura
sacra.
Apesar de conduzido
por Taymor, Frida, é um filme que tem a cara da produtora
Miramax, com seu discutível padrão "cinema de qualidade
para ganhar Oscar". Um roteiro cronológico e pouco inspirado,
no qual um montão de gente (inclusive Walter Salles) meteu a mão,
apoiado em competente reconstrução de época. Esta
concebe um México de cores fortes, com base nas pinturas de Frida
e Diego, mas este México, assim como a personagem, reflete uma
idealização tão caricatural como o fato dos personagens
mexicanos falarem inglês com sotaque. E a tão decantada trilha
musical de Elliot Goldenthal faz realmente um bom aproveitamento da musicalidade
local, mas, por vezes, parece extrapolar sua função de complemento
à narrativa cinematográfica.
Para quebrar a monotonia
e convencionalidade da narrativa, a diretora, em certos momentos, faz
uso de animações inspiradas em obras da biografada, só
que, exceto por aquelas que utilizam imagens do filme King Kong e impressionante
ilustram a passagem do casal pelos Estados Unidos, tais inserções
demonstram um impressionante mau gosto, alternando breguice e demostrações
gratuitas de virtuosismo. E, mesmo com Salma Hayek dando o sangue e tentando
superar suas limitações como atriz, Frida parece
não justificar a intensa expectativa criada por um projeto de tão
longa e conturbada concretização.
Gilberto Silva Jr.
|
|