Freddy
vs. Jason, de Ronny Yu
Freddy vs. Jason, EUA, 2003
Não convém
ignorar o fato de que Ronny Yu tinha um desafio e tanto em mãos
ao realizar este filme. Originalmente planejado para ter sido realizado
em 1995, e cogitado desde meados da década de 80, o fato é
que um dilema essencial envolve a criação de um produto
deste tipo, a estas alturas: as séries que deram origem ao filme
têm mais de (Jason) e quase (Freddy) 20 anos e, de seus primeiros
filmes para cá, já esgotaram todo um processo do qual fazem
parte desde a auto-paródia metalinguística de Wes Craven
(Pânico, já com duas continuações) até
a paródia da paródia (Todo Mundo em Pânico,
que lança este ano o terceiro filme de sua própria série),
até mesmo a sua própria paródia interna, inegável
tanto nos Jason X da vida quanto em vários dos filmes de
Freddy Krueger (que incluem uma volta de Wes Craven no interessante sétimo
filme da série, em 1994). A própria escolha do nome de Yu
já é sintomática, tendo ele ficado mais conhecido
em sua carreira norte-americana por uma outra paródia de gênero,
A Noiva de Chucky. Então, o dilema, em suma, é: quando
a própria paródia de um estilo já virou um estilo
em si, o que resta a ser feito? Um filme a sério, novamente? Uma
paródia sem igual? Se sim, como ela se diferenciaria, então?
Tendo em vista estes
problemas de conceito, parece que Yu tomou o caminho mais corajoso, ainda
que aquele que menos elogios traria a ele: ele optou por fazer um filme
que torna-se paródico justamente por levar a sério os pressupostos
da série (neste sentido, lembra um pouco os trabalhos de Craven,
ainda que em outra chave). Ou seja: há risadas o tempo todo em
Freddy versus Jason, mas nenhuma (ou melhor, quase nenhuma, sejamos
justos) vem na forma clássica da piada escancarada. Um exemplo:
como se sabe, um dos elementos essenciais de um "slasher-film"
(como são chamados estes exemplares de filmes de assassinos seriais
insanos e quase sempre inumanos) são as mulheres gostosas, e o
seu subseqüente assassinato. Yu opta por um elenco de mulheres absurdamente
gostosas, absurdamente mesmo, incluindo aí os seios turbinados
ao exagero. E as filma em ângulos ainda mais absurdos, como a câmera
do alto no chuveiro, que torna os peitos da atriz uma visão perto
do surreal. Embora não trabalhe estes elementos no tom da paródia
rasgada (afinal já houve piadas o suficiente sobre estas mulheres
nos filmes citados acima), isto exemplifica a opção de Yu:
a paródia surge por levar ao ápice as regras do gênero
(as formas de assassinar os personagens, por exemplo, são de absurdo
completo – a cama dobrada ao meio é um clássico desde já),
sem sentir necessidade de gritar "Não levemos isso a sério!".
Quem quiser rir, rirá. Quem quiser levar a sério, até
pode, embora me pareça que neste caso o filme seja profundamente
enfadonho.
A opção
de Yu cria um filme que é constantemente engraçado (podemos
citar desde a van à la Scooby-Doo até cenas como a do policial
que, ao encontrar jovens desesperados gritando em plena Rua Elm os aborda
tranqüilamente: "Do you kids need any assistance?"), mas
cuja graça depende muito de um acordo com o espectador em achar
aquilo engraçado. Um exemplo bom é o prólogo que
introduz o filme. Nele, Freddy nos explica (em relação direta
com a câmera mesmo) as bases da história que uniria o seu
personagem com Jason Vorhees. O espectador pode optar ali por levar a
sério o que ele diz. No entanto, o absurdo completo e o caráter
arbitrário da explicação, além da forma como
é encenada, deixam muito claro que se trata de uma auto-paródia
completa da verdadeira "picaretagem" que é o que move
o filme: precisamos unir estes dois segundo alguma lógica qualquer,
não importando muito mesmo qual seria. Ficará, então,
para o espectador a decisão de perceber a piscadela de Yu para
ele, ou de levar a sério a "narrativa" proposta. Mais
na frente, aliás, uma confirmação da piada: um personagem
repete a explicação exata que Freddy deu, ao que um outro
comenta "It makes sense, in a way" ("faz sentido, de alguma
maneira..." - não, não faz; e não importa).
Yu sabe ainda que
o principal do filme, em termos de algum atrativo de marketing, é
o combate "face a face" entre Jason e Freddy. Ele trata os dois
personagens como aquilo em que se transformaram: imortais completos, ícones
imbatíveis. No duelo entre os dois sabemos que nenhum deles pode,
de fato (os filmes anteriores já estabeleceram isso), ser morto,
então cabe filmar a briga não como um suspense, mas sim
como uma festa para olhos e ouvidos: exagerada, sem sentido, absurda,
insana. Nestas cenas Yu usa todo seu domínio de construção
de ritmo, levando ao ápice toda noção de "over"
que se possa esperar. Mas, no fundo, percebemos um interesse quase protocolar
dele por estes momentos, que na narrativa em si parecem apenas "obrigações
a cumprir": não são onde ele gasta a maior parte da
sua atenção. Podemos lembrar como um momento infinitamente
menos "importante" é filmado com muito mais charme, como
o da hilária respiração boca a boca dentro da van.
Ali sim podemos ver o foco maior de interesse para Yu: o humor estranho,
incômodo, quase absurdo.
Difícil dizer
que ele tenha feito um grande filme, seja em qual registro for. O que
não se pode negar, porém, é que ele se mostra ciente
de todas as armadilhas que o projeto trazia e que se desvencilha da maioria
delas fazendo um filme até certo ponto inesperado e corajoso –
justamente por não parecer assim tão inesperado ou diferente
assim.
Eduardo Valente
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