Fomos
Heróis,
de Randall Wallace
We
were soldiers, EUA, 2002
A introdução e o final de Fomos Heróis são
um resumo do que há, respectivamente, de melhor e de pior no filme.
No início, a surpresa: ao introduzir um filme sobre o Vietnã
uma das primeiras frases que se ouve é uma dedicatória não
apenas aos soldados americanos mortos na guerra, mas também "aos
bravos vietnamitas do Norte que nós matamos". Mais surpreendente
ainda (uma vez que há uma certa onda revisionista "politicamente
correta" incentivando este tipo de "pedido de desculpas") é que
as primeiras cenas do filme, sem uma função dramatúrgica
direta para tal, mostram o ataque dos vietnamitas a tropas colonizadoras
francesas. Parece estranho num filme típico do cinemão americano
este tipo de correlação que mesmo Francis Ford Coppola acabou
retirando da sua primeira versão de Apocalypse now. É
francamente surpreendente, sem dúvida.
E é nesta linha
que o melhor de Fomos Heróis vai transitar: tentando fazer
um esforço de reflexão do tipo "antes de americanos ou vietnamitas
os soldados são sempre jovens que não escolheram estar ali
lutando", o filme consegue propor vários momentos de observação
humanista interessante, quase pelo viés reflexivo de um Atrás
da Linha Vermelha. Também bebendo do tipo de encenação
hiperrealista pós-Platoon (mas, especialmente, pós-Resgate
do Soldado Ryan, e porque não dizer, pós-Coração
Valente, filme do qual o diretor Wallace foi roteirista), o filme
consegue encenar algumas cenas de batalha absolutamente impressionantes,
onde atinge o espectador em cheio no intuito de fazer do ato de guerrear
algo profundamente repugnante e desesperador (lembrando muito o realismo
de um Kippur, de Amos Gitai). O espetáculo do cinema está
a serviço de mostrar o quanto de medo e perda de consciência
há por trás do chamado "heroísmo patriótico".
No entanto, o que
falta ao filme (e o final é o maior índice disso) é
a coragem (ou, pragmaticamente falando, a impossibilidade prática
como produto hollywoodiano) de levar isso tudo que está intuído
e sentido aqui e ali até as últimas consequências.
Sim, porque apesar de toda esta contextualização, esta tentativa
de dar espaço cênico aos "dois lados", esta condenação
da guerra, ainda assim existe no filme a presença do "Grande Herói
Americano", do homem-comum-que-se-converte-em-herói, do exemplo
máximo de ideal de coragem acima do medo. Este mesmo clássico
modelo que era tão opressor no cinema dos anos 40 (quando podia
ser John Wayne ou Gary Cooper) quanto nos anos 80 (Stallone ou Chuck Norris),
tudo isso está aqui no personagem de Mel Gibson, que com sua bondade,
coragem e correção inabaláveis, destoa de todo o
resto que está encenado. Perfeito como pai de família, como
tutor, como amigo, como superior, como soldado, como adversário,
como mente estratégica, ele é um verdadeiro modelo de ser
humano que torna, pela comparação, os outros que o cercam
um bando de fracos e insuficientes.
É verdade que
não chega a ser um personagem tão deslocado assim já
que a trilha sonora, as câmeras lentas e os closes heroicizantes
já indicam todo um outro viés do filme. Ainda assim, no
final, após tamanho desfile de sofrimento e desespero era de se
esperar menos fé do próprio cineasta na figura do seu herói.
Esta, no entanto, se mostra inabalável. É como se o filme
nos dissesse: "a guerra é errada, um absurdo dos homens, e é
perfeitamente normal sentir medo e desespero nela, que anula a humanidade
de cada um, MAS se for para se ver nessa situação, nada
melhor que com um autêntico coronel-herói do bravo Exército
Americano". É através dele que se busca um final do tipo
"a guerra acabou com muita gente, mas pelo menos famílias como
a deste homem podem ter orgulho do herói que têm em casa".
Da mesma forma que soa absolutamente desnecessária a caracterização
tão batida da imprensa como um bando de abutres tentando viver
da carniça do sacrifício dos soldados-heróis.
Estas patriotadas
e simplificações certamente tiram boa parte da força
e até da seriedade da tentativa de denúncia altamente pungente
que o filme levanta (e especialmente forte pela forma com que muitas vezes
é filmada). Mas, se fica difícil levá-lo de todo
a sério, também não é motivo para que não
se reconheça seus méritos, e não se aproveite algumas
belas idéias, como o retrato das mulheres que ficaram em casa no
ritual do recebimento de telegramas notificando as mortes dos seus maridos.
Apesar do caimento melodramático mão-pesada em algumas cenas,
é este tipo de idéia que permite ao filme de Wallace atingir
um mínimo de permanência.
Eduardo Valente
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