Final Fantasy,
de Hinorobu Sakaguchi


Final Fantasy - The Spirits Within, EUA, 2001


A heroína Aki , protagonista de Final Fantasy, já está de agenda cheia para o ano que vem... Situação mais do que normal para uma estrela da mega indústria do Cinema hollywoodiano. Apenas um detalhe torna seu sucesso incomum: Aki não existe!

Ou ao menos não nos moldes com que o star-system norte-americano está acostumado a lidar. Uma heroína gerada em computação gráfica acaba de fechar contrato para mais dois filmes com a poderosa Columbia Pictures!... Não agindo como personagem, mas sendo tratada como uma atriz! Jogada de marketing ou revolução no cinema? Um pouco dos dois.

Final Fantasy é um filme de ficção científica cuja temática gira nos moldes da animação japonesa clássica do gênero: uma mistura de tecnicismo e filosofia zen que vezes nos trazem interessantes reflexões (como no interessante Ghost in the Shell), outras nos presenteiam com pérolas como os Cavaleiros do Zodíaco... Aki é uma cientista em busca de uma espécie de praga alienígena que infestou o planeta Terra em 2065 e que condenou os humanos a viverem em barreiras de proteção (cidades feudais high-tech). Aos poucos ela descobre que a solução e o problema tem muito menos de cientificamente comprovável do que ela poderia imaginar: Gaia, o espírito da Terra, está doente pela infestação dos fantasmas de um outro planeta instinto e que devem ser combatidos com ondas de energia opostas (uma coisa meio Yin- Yang...) Confuso? Bastante, embora com um argumento complexo o suficiente para que fuja do estigma de "teste de software" que filmes como Dinossauros (Disney) não conseguem disfarçar.

Final Fantasy consegue se levar à sério como narrativa e estabelecer, quem diria, uma narrativa que dialoga de forma consistente com seu formato de animação ultra-realista. O slogan : "É tudo ilusão..." que está nos cartazes do filme, dialoga de forma direta não só com a técnica usada, como com a temática fantasmagórica de seu enredo. Os fantasmas invisíveis que cercam as personagens do filme nos remetem à própria condição do filme como essa presença ‘falsa’, onde aquelas personagens, embora agindo como seres de carne e osso são apenas frutos da aparência.

Ao contrário do que pode parecer, e do que tenta ser vendido, Final Fantasy por si só não representa uma revolução (muito menos evolução) no Cinema. Algumas questões importantes são, sim, levantadas pelo filme, mas como questões abertas, não trazem consigo (ainda) suas respostas. É um total tiro no escuro apostar no advento de um gênero cinematográfico digitalmente puro, como também é um absurdo afirmar que esse gênero não tem futuro. Dizer que atores reais não poderão nunca ser substituídos por atores virtuais é o mesmo que se disse no final do século XX sobre a impossibilidade de se substituir a presença dos atores do teatro pela virtualidade das imagens filmadas...

Numa sociedade cada vez mais asséptica e voltada para a perfeição virtual, não é absurdo pensar num star-system totalmente controlado e criado à partir de uma realização computadorizada. A virtualidade das fofocas, intrigas, fotos e imagens das estrelas do Cinema é que mantém sua realidade. Mas o que impede que criemos personalidades para quem "não-existe" assim como se cria para quem "existe"?

Triste fim será o do cinema de animação se, depois de um século como o espaço de trabalho criativo mais autoreflexivo por estrutura (por se revelar como um trabalho humano quase que por constituição), acabar tendo seu ícone do novo século nessa tentativa mimética de realidade intocada... Um cinema sem presença, sem erros, sem imprevistos é o sinal de uma sociedade voltada para a forma da aparência perfeita, onde o processo é o lixo e deve ser ignorado... Esquecido. A animação-documental? A "animação objetiva"?

Se o resultado de Final Fantasy impressiona não é apenas pelo resultado ultra-realista, mas também pela campanha que se segue a ele. Um cinema limpo, frio, plástico – um cinema sem marca de polegadas, rastros humanos, sem cheiro... Um cinema hegemônico da perfeição formal, que pode ter na realização virtual, não sua solução, mas uma espécie de paradigma para o qual se olhar. Apontando para um futuro sem rastros, sem gotas de suor – ou melhor, onde as gotas de suor serão colocadas onde bem se entender...

Felipe Bragança.