O
Que Fazer em Caso de Incêndio?,
de Gregor Schnitzler
Was
tunn, wenn's brennt?, Alemanha, 2001
Os momentos finais de O Que Fazer em Caso de Incêndio? explicitam
a proposta. No entanto, muito antes de ser reduzido às cinzas,
o filme lança suas chamas. Nos primeiros segundos, imagens em Super
8, com ações de punks alemães nos anos 80, já
indicam o caminho. Mostram os rebeldes como jovens que, talvez por não
ter nada melhor para fazer, manifestam-se contra a sociedade. Essas imagens
os exibem como moleques a extravasar energia represada. Apenas isso. A
impressão inicial será exposta e evidenciada ao longo da
narrativa. É notório o esforço para se despolitizar
e tirar de contexto histórico a revolta daquela juventude traduzida
em atos extremos. Isso fica ainda mais claro porque o tempo presente da
trama é o ano de 2002. A distância entre a ordem atual e
a desordem anterior acentua o anacronismo do passado e dos insistentes
adeptos da anarquia. A História acabou. Deve ser vista apenas em
arquivos e como parque de diversão.
O roteiro gira em
torno da explosão retardada de uma bomba que, preparada 12 anos
antes, em 1988, faz uma casa voar pelos ares quando ninguém mais
lembrava dela. O "acidente" gera uma abertura de inquérito. Dois
remanescentes da cena punk, aliados a seus colegas de tribo que se tornaram
profissionais bem sucedidos, tentam resgatar os filmes em Super 8 nos
quais estão registrados suas ações terroristas. O
cinema amador entra ali como a memória e o registro da História
(a do grupo e a mais ampla). Mostra-os em outro panorama. Eric Rohmer
já escreveu que o cinema amador é mais verdadeiro, aproxima-se
do real, mesmo quando os atores em cena têm consciência da
câmera, sem tanta manipulação. Tem caráter
de registro. Pois os personagens precisam apagar os rastros de suas trajetórias
captadas pela imagem para assim criarem ou confirmarem uma nova posição
para si mesmos em um contexto outro. O cinema é empregado, em O
Que Fazer em Caso de Incêndio?, para matar a memória.
Tanto promove a consciência quanto a alienação.
Essa postura é
perseguida e alcançada pelo diretor alemão Gregor Schnitzler,
de 39 anos, formado em design de comunicação e realizador
de diversos comerciais, videoclipes e séries para a televisão
alemã. Essa prática é, para além das implicações
contidas nela própria, conduzida grosseiramente. Os personagens
são construções caricatas, canhestras: um dos punks
é aleijado, metáfora rudimentar de seu idealismo fora de
época, e o outro faz pose de modelo, uma evidência de seu
deslocamento na condição de marginal. Os demais não
são menos estereotipados. Impossibilitam que se acredite, dentro
do realismo artificioso da direção, nas verdades de cada
um. Schnitzler também fecha as portas a quem deseja ver as imagens
pulsarem. A sujeira dos cenários sórdidos e decadentes é
toda decoradinha, e revela como o cinema pode criar mentiras só
possível de serem vistas assim.
Cléber Eduardo
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