Extermínio,
de Danny Boyle
28
Days Later,
Inglaterra, 2003
Danny Boyle começou
a carreira com um filme, Cova Rasa, que tinha problemas
sérios de concepção, mas que não deixava de
ter seu interesse. Depois, perdeu a mão numa série de filmes
cada vez mais equivocados. Extermínio parece ter sido concebido
para ser um filme pequeno que devolveria a carreira de Boyle aos trilhos
ao fazê-lo retornar ao status de diretor cult. Mesmo longe
de funcionar, é o seu trabalho mais redondo desde o próprio
Cova Rasa, ao mesmo tempo em que deixa claras várias das
suas limitações como cineasta.
Peguemos, por exemplo,
a abertura do filme. Extermínio tem duas: um prólogo
que explica como a situação dos zumbis começou (que
o filme abra como uma explicação não ambígua
para o surgimento dos zumbis já diz muito sobre o projeto de Boyle
aqui); e outra onde o protagonista acorda sozinho num hospital, e caminha
por uma Londres desolada. A segunda seqüência, inspirada em
Mortos que Matam de Sidney Solkow (e sem dever nada ao mesmo) é
excepcional, há ali um senso de isolamento (uma idéia central
para o filme), de dúvida, de estar entrando em um mundo interessante,
em suma, é uma grande forma de abrir um filme. Um diretor com maior
sensibilidade perceberia isto, mas Boyle opta por abrir o filme com um
prólogo histérico, cheio de informações que
jogam contra o filme muito mais do que a favor, e com um trabalho de câmera
que nos lembra que o cinema de Boyle representa uma das piores tendências
que o maneirismo nos deixou, uma no qual a imagem perde quase todo o seu
interesse.
Se há boas
idéias em Extermínio? Várias, e Boyle com
certeza deve ser creditado por elas. A maior parte das cenas depois que
o casal de protagonistas encontra Brendan Gleeson e sua filha funciona
muito bem, com Boyle fazendo algo que não se esperava dele, simplesmente
observar a vida sem tentar filtrá-la para o nosso olhar. Bem funcional
também é como o Boyle coloca em crise o happy ending
que o estúdio o obrigou a filmar. A solução é
tocante de tão simplória, optar pela película nesta
seqüência, o que acaba deixando claro que a cena não
pertence ao mesmo filme que o resto do material.
Pena que Boyle estrague
as coisas que tão bem constrói. Aí, entram os problemas
de personalidade dele, que acabam por emperrar as boas idéias do
material. A "grande idéia" de Boyle para atualizar os
filmes de zumbis, fazê-los velozes (a idéia que a vida dos
zumbis possa se dar num outro tempo é óbvio inconcebível
para ele), acaba jogando o tempo todo contra seu filme. Porque este é
um filme de zumbi em que toda vez que um zumbi aparece, ele perde completamente
o interesse, dando lugar a cenas confusas e muito mal resolvidas em termos
de encenação (e incapazes de gerar o tipo de tensão
que mesmo muitos filmes vagabundos do gênero conseguem).
O outro problema é
que se trata de um trabalho colado demais a outros filmes do gênero,
em especial os do George Romero, e aqui as citações prejudicam
o filme. Cenas possivelmente interessantes, como a do supermercado, acabam
se reduzindo a mera referência. Isto fica claro no terço
final, quando os protagonistas encontram os militares, e o filme degenera
num sub-sub-O Dia dos Mortos de Romero. Extermínio
aqui entra em curto-circuito e tudo o que ele tinha de interessante (à
exceção de um ou dois momentos dos atores) se dissipa. Boyle
compra até os problemas do filme de Romero sem pensar duas vezes
(como a esquemática relação civis sensíveis
vs. militares trogloditas). Aqui também é onde ficam claras
as semelhanças de Extermínio com o mal-fadado A
Praia (baseado num livro do aqui roteirista Alex Garland), e onde
o projeto de cinema de Boyle se revela oposto ao de George Romero. Porque,
se nas três incursões do diretor americano pelo universo
dos zumbis, o apocalipse se torna oportunidade para pensar a sociedade
que entrou em colapso, em Boyle a única coisa que fica é
um desejo de retornar o mais rápido possível à ordem
como ela era antes.
Filipe Furtado
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