A Espinha do Diabo,
de Guillermo del Toro

El espinazo del diablo, México/Espanha, 2001


Numa sala escura e misteriosa, um senhor ensina uma lição a uma criança: não existem aparições misteriosas ou efeitos extraordinários da natureza, mas unicamente fatos comuns que devem ser analizados à luz da ciência. Nesse momento, a câmera nos deixa ver, escondido, um recipiente com um feto deformado, dotado de uma nefasta coluna vertebral de coloração vermelha que lhe rasga a pele. Essa "espinha do diabo" permanecerá oculta para o menino, mas um outro mistério sobrenatural será descoberto ao longo da projeção.

A Espinha do diabo é um filme sobre fantasmas. Um fantasma como o da tradição desse gênero de histórias: um espírito que ainda não se juntou ao reino dos mortos porque tem a necessidade de se vingar e restabelecer a justiça no mundo terreno. Mas o filme de Guillermo del Toro (do premiado Cronos e que em breve lançará a continuação do hollywoodiano Blade) não é uma história de terror, e sim o relato de acontecimentos enigmáticos ocorridos no passado que assombram o presente.

Estamos na Espanha, no período da Guerra Civil Espanhola. Uma bomba cai, sem explodir, na praça de um orfanato isolado. Nesse mesmo dia, o menino Carlos passa a ser o mais novo interno da instituição, que fica muito distante de qualquer cidade ou povoado. Abandonado por seu tutor, ele vai aos poucos conhecendo os internos da casa, entre os quais Jaime, um menino mais alto e forte que exerce sua influência sobre todos os outros. Como todos os calouros, Carlos terá que passar por algumas provações para ser aceito.

Os adultos que coordenam o orfanato também não parecem nada confiáveis. Entre a diretora Carmen, o professor Casares, o porteiro Jacinto e a jovem Conchita existem intrincadas relações de dependência, que vão do sexo à cobiça. Todavia, adultos e crianças guardam um mesmo segredo: todos se calam quando Carlos indaga sobre um menino chamado Santi. Assassinado em condições misteriosas por alguém que mora no orfanato, Santi volta como fantasma e faz freqüentes aparições para Carlos, com o intuito de fazer dele o instrumento de sua vingança. O novato inicialmente se assusta, mas depois passa a questionar-se sobre o pasado daquela estranha comunidade.

A maior graça de A Espinha do diabo reside na maneira como o diretor mescla os gêneros cinematográficos, misturando melodrama com cinema fantástico, com toques de suspense (principalmente na música) e drama histórico. A partir desse bizarro coquetel, Guillermo del Toro consegue momentos de fantasia bastante evocativos, dando ao filme uma atmosfera de suspense gótico no meio de um rincão espanhol nada enfumaçado, muito quente e longe de tudo.

A Espinha do diabo, porém, não sustenta sempre o interesse. Quando vemos o desenrolar dos fatos através dos olhos do menino Carlos e de sua necessidade em se afirmar socialmente entre seus colegas, o filme consegue impressionar pela sutileza. O que vemos é um processo contínuo de aprendizagem, de como um menino consegue superar as adversidades e o medo do desconhecido para enfim adquirir alguma maturidade.

Se fixasse o filme unicamente na relação entre Carlos e o fantasma Santi, Guillermo del Toro poderia ter feito um belo filme. Mas A Espinha do diabo dedica tempo demais às picuinhas dos adultos, que certamente estão longe de ser o tema central do filme. Fraturados física ou emocionalmente – Carmen tem uma perna mecânica, Casares é impotente e dono de um saber enciclopédico e vão, Jacinto tem uma raiva patológica –, os adultos que habitam o orfanato são interessantes até certo ponto. Mas os meninos, órfãos ou abandonados, vivos ou mortos, são aqueles que fazem o filme respirar.

Ruy Gardnier