Endiabrado,
de Harold Ramis
Bedazzled, EUA, 2000
Sujeito tímidosolitáriobabaca
de poucos amigos, com um empreguinho de merda e uma vidinha idem vê
sua grande chance surgir quando lhe aparece ninguém menos que o
diabo, que lhe oferece, em troca da posse de sua alma insignificante,
o mundo de seus sonhos tornado realidade. A troca não é
de todo justa, e o diabo aproveita para aprontar-lhe umas poucas e boas,
enquanto o rapaz vai descobrindo devagar que sua vidinha de merda e seus
valores de merda podem ser bem melhores do que seu mundo de sonhos tornados
pesadelos.
Os roteiristas desta
comédia parecem decididos, a princípio, a fazer uma crônica
do estilo de vida norte-americano carregando nos aspectos caricaturais
de seu reduzido rol de personagens (tomado emprestado do imaginário
midiático principalmente televisivo da América
de hoje que "dá certo") apenas para num segundo momento fazer de
seus comentários (nem sempre interessantes) uma premissa para o
elogio pretensamente indulgente e edificante de um conformismo radical
e redentor. A forma utilizada é aquela tradicional de esquetes
(cada um correspondendo a um dos sete desejos concedidos ao rapazola),
que poderia tão bem dar conta do recado se não recaísse
todo o tempo nas fórmulas saturadas dos programas cômicos
da TV americana estilo Saturday Night Live.
A crise criativa ronda
toda a equipe e elenco, com as saudáveis exceções
de Elizabeth Hurley (não pelo talento, mas pela total adequação
ao papel -- uma grande sacada de casting que parece ter sido a
única razão deste filme ter conseguido luz verde dos executivos
do estúdio) e do fotógrafo Bill Pope (não demonstrando
mais que a habitual competência em seu peculiar estilo que combina
o sombrio e o pop estilizado em um mesmo ambiente -- tal como se viu em
seu trabalho com Sam Raimi). Quanto ao diretor e co-roteirista Harold
Ramis, duas quase-certezas vêm à tona: primeiro, que ele
não sabe a hora de frear seus atores (DeNiro em Máfia
no Divã, Keaton em Multiplicity, e agora Brandon Fraser);
segundo, talvez decorrência do primeiro ou vice-versa, que ele vem
perdendo seu senso de timing. À medida que suas ambições
como cineasta crescem, mais urgente e necessário parece um retorno
ao estilo mais sóbrio de sua pequena obra-prima (não acidental)
Feitiço do Tempo.
Fernando Veríssimo
|
|