Tempo de Embebedar Cavalos,
de Bahman Ghobadi


Zamani Barayé Masti Asbha, Irã, 2000

Faz parte da minha filosofia pessoal como crítico acreditar que não importa muito o que um diretor quis dizer, ou o que os meios de produção causam ou deixam de causar no filme. Importa o filme, como está na tela. E todas as inúmeras leituras que ele sempre permite. Pois bem, mesmo assim, no caso deste filme não houve jeito: passei boa parte da sessão imaginando suas filmagens, e não prestando atenção no seu desenrolar. Sim, porque qualquer um que saiba quão difícil é filmar, acertar um "take", realizar um movimento de câmera, não pode deixar de ficar chocado com este trabalho. Porque durante boa parte de sua duração nós temos um garoto aleijado e debilitado mentalmente (de verdade, cinema iraniano não é cinema americano, nada de efeitos especiais) sendo carregado dentro de minúsculos sacos nas costas de uma mula, passando frio sentado na neve, sendo jogado de um lado pro outro. Além disso, há os cavalos do título, carregando enormes pneus de caminhão, caindo de montanhas, sendo embebedados, levando tapas e chutes.

Claro, o diretor afirma, e o filme deixa claro, o objetivo é denunciar a situação do povo curdo, seus maus tratos, e até mesmo o tratamento dado a estas cavalos. Mas, será que para denunciar isso, para conseguir um bom "take" disso, está correto reproduzir estas situações para a câmera? É um dilema ético dos mais graves, que seria muito menor fosse o filme documental, mas como trata-se de um trabalho de ficção, fica o incômodo e a sensação de que um filme não vale o sacrifício de seres humanos desta forma.

Num mundo diferente, onde soubéssemos que o filme foi feito "sem qualquer dano aos não-atores" a análise poderia ser diferente. Eu poderia gastar estas linhas descrevendo como este filme é uma das mais dolorosas experiências em cinema jamais feitas, em como ele revela particularidades da vida de um povo que de outra forma eram desconhecidas do mundo, de como ele se estrutura num formato pseudo-documental, incluído aí o belo e abrupto final que não indica uma impossível conclusão, mas sim uma continuidade. Falaria sobre como ele mostra crianças que precisam crescer rapidamente para continuar vivas, incluindo aí casamento, trabalho, sacrifício. Discutiria como é complicado se fazer de "o retrato de uma realidade", quando esta sempre pode ser maior e menos simples de condensar.

Em suma, discutiria todos os aspectos deste filme que inegavelmente abre olhos, cabeças e corações. Mas, infelizmente, eu estava preocupado demais com o garotinho aleijado pulando de carros em movimento, tomando pílulas sem água, ou imaginando o diretor gritando enquanto ele gelava na neve: "Corta! Vamos fazer mais um..." E aí, não há boas intenções que me convençam que o filme seja pelo bem de ninguém, pois não há como dizer que o sacrifício de um vale a vida de mil, porque eu não queria ser aquele um...

Eduardo Valente