Paralelas
e Transversais
O Senhor dos Anéis: As Duas Torres, de Peter
Jackson
Xuxa e os Duendes 2 - No Caminho das Fadas, de Paulo Sérgio
Almeida e Rogério Gomes
The lord of the rings: the
two towers, EUA/ Nova Zelândia, 2002
Brasil, 2002
Trata-se de um filme
"fantástico", cheio de criaturas mitológicas como trolls,
elfos, bruxos. É a segunda parte de uma série, que trata
essencialmente das raças colocando de lado suas diferenças
e lutando juntas contra um Mal comum e horrível, que coloca o mundo
em risco. Há uma história de amor entre seres de raças
distintas. Há um castelo onde se colocam os vilões da série,
destruído ao final do filme. Há um reino de criaturas superhumanas
que se vestem com longas vestes claras, onde a decoração
inclui necessariamente inúmeras cortinas esvoaçantes. Há
loiras figuras vestidas de branco defendendo o Bem e enfrentando sinistras
figuras escuras, de negro. Há ainda uma figura intermediária,
que reflete a capacidade do Bem e do Mal dentro de cada um. E uma trilha
sonora que não deixa nossos ouvidos quietos nem por um segundo.
Até aí, concordamos. O difícil é saber de
que filme estamos falando: Xuxa e os Duendes 2 ou O Senhor dos
Anéis: As Duas Torres.
Embora soe como uma
anedota, as semelhanças na estrutura de ambos os filmes são
muito mais reveladoras do que pode se ver numa primeira olhada. Afinal,
ambos utilizam uma clássica situação maniqueísta
(o Bem contra o Mal) na tentativa de criar um universo de figuras míticas.
Longe de mim querer comparar o trabalho de um Tolkien com o de um Wagner
de Assis (um dos roteiristas de Xuxa). Mas, se esquecemos Tolkien
por apenas um segundo, vemos que há mais entre Duendes e
o Senhor segundo Peter Jackson do que crê nossa vã
filosofia.
Porque diferenciar
a priori as obras de Tolkien e Jackson? Ora, por um motivo bem
claro: Tolkien não escreveu sua obra pensando, antes de tudo, nos
bilhões de dólares que lucraria com isso. Jackson talvez
também não, mas não se pode pensar num filme da dimensão
deste apenas como produto de um autor, e sim de um sistema. E, nesse sentido,
o sistema hollywoodiano não se diferencia tanto do sistema Global
de produção dos filmes de Xuxa: tratam de produtos feitos
para, antes de tudo, gerar lucros e produtos secundários que gerem
mais lucros ainda.
Claro, por ter origem
numa obra como a de Tolkien, que possui sua própria força,
o filme de Jackson não pode ser descuidado na sua estrutura como
é o filme de Xuxa. Se Tolkien levou décadas burilando sua
Terra Média, os roteiristas de Xuxa parecem ter gasto apenas alguns
dias no seu roteiro. Outra diferença essencial é que na
produção de Hollywood o filme de Jackson é produto
de ponta, feito para impressionar e revolucionar na parte técnica.
Já o de Xuxa é feito da maneira mais porca possível,
a toque de caixa, em dois meses, com cuidados quase inexistentes em sua
parte técnica. São processos diferentes, onde o tamanho
do lucro é tão maior quanto for o do investimento, mas na
relação entre eles, se assemelham.
E, afinal, em termos
de resultado final na tela acaba que não faz muita diferença:
tanto o esmero de Jackson quanto o descaso de Xuxa sabem que seu público
está garantido independente do filme que fizerem. A máquina
a serviço de ambos é muito maior do que o tal do "cinema".
O filme parece ser o que menos importa. A propaganda, o número
de salas garantidas e o público já "fisgado" (dos leitores
de Tolkien e fãs do cinemão americano de um lado aos espectadores
infantis de TV do outro) são garantias antes mesmo do lançamento.
Só resta ver se será um MEGASUCESSO ou um BELO SUCESSO.
Estes produtos fascinam por isso: já saem de fábrica com
o lucro assegurado. Resta ver só se será ou não astronômico.
Pobre Peter Jackson,
diriam alguns. Merece ele ser comparado com o cinema de Paulo Sérgio
Almeida e Rogério Gomes? Olha, merece. Durante duas horas de As
Duas Torres é difícil escolher que filme entre os dois
tem as falas mais ridículas, interpretações mais
canhestras, simplificações mais bobas, assexualidade mais
escancarada, trilha sonora mais irritantemente onipresente, ritmo mais
arrastado (que se diga: culpa pura e simples do cineasta neozelandês,
segundo leitores de Tolkien me confirmam), didatismo e discurso mais tatibitate
(um voltado para crianças e outro para adolescentes, é verdade,
mas isso mais atesta contra o filme de Jackson, que podia afinal confiar
numa platéia mais madura).
Depois de duas horas,
é verdade, acontece a fantástica virada de Duas Torres,
virada essa que é muito mais orçamentária-industrial
do que de qualquer outro cunho: a cena da batalha no abismo, junto com
o ataque dos "ents", são a expresão barroca da pujança
tecnológica-visual-sonora de Hollywood na sua mais hipnotizante
e impressionante encarnação. Xuxa e os Duendes não
tem condições de proporcionar nada parecido, lógico.
Mas, se vemos nisso apenas o mérito de quem tem mais dinheiro,
isso não diz lá muito sobre as obras em si.
Não se trata
aqui de ser calhorda e negar coisas realmente interessantes como tudo
que se refere ao personagem Gollum em Torres; ou não admitir
que, dos últimos 4 filmes de Xuxa, Duendes 2 é o
que menos dói assistir, inclusive por ter alguns poucos bons talentos
cômicos envolvidos, como Cláudia Rodrigues, Luiz Carlos Tourinho
e Karen Acioly. Mas, é tão difícil quanto, e de formas
bem parecidas, assistir Luciano Szafir se esfregando contra uma grade
e sofrendo, ou uma passagem de foco do heróico Aragorn para a relva
que balança ao vento; Hugo Weaving, ou Vera Fischer, interpretando
seres indescritivelmente ridículos; Xuxa fazendo o seu discurso
pela compreensão das diferenças ou Sam declarando a seu
amado Frodo que defende "a idéia de que existe Bem no mundo"; Zilka
Salaberry surgindo do nada para trazer "a luz" ou Cate Blanchett surgindo
da mesma forma para nos explicar a história; o roteirista plantando
pateticamente uma semente de "fruto do sono" que vencerá o monstro
mais na frente, ou o papel de Brad Dourif. Acima de tudo, é igual
dose de leão engolir o mundo dos elfos em Senhor e o das
fadas em Duendes: sonho dos sonhos de um decorador kitsch, talvez.
Mas, é bobo
falar disso tudo, como é bobo aprofundar aproximações
entre o pedido de união entre povos para enfrentar um Mal comum
com qualquer discurso que busque nos mostrar que há um Eixo do
Mal a ser derrotado em nome de "um Bem que existe no mundo". É
tudo muito bobo porque são argumentos que partem de assuntos como
Arte, Política, Cinema. E seja quando Suzana Vieira aparece no
fim de um dos filmes (qual mesmo?) prometendo que "isso não vai
ficar assim", ou quando Sauron surge no final do outro (qual???) mostrando
que "a Guerra pela Terra Média só começou", o que
lembramos é que o ponto aqui é outro: Dinheiro. Lucro. Produto.
Se é Biscoitos Passatempo ou videogames o que se vende, pouco importa.
Desde que se venda, rápido e muito. E, muito mais do que serem
bons ou ruins, o que incomoda mesmo nesses filmes é que eles façam
tão pouca questão de não parecerem tão calculados
para lucrar.
Eduardo Valente
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