Duas
Vezes com Helena,
de Mauro Farias
Brasil,
2001
Que não paire qualquer engano: Duas Vezes com Helena é
um exercício de linguagem e narrativa, onde o principal motivo
em ação é o jogo do cinema. Isso, ao contrário
do que se possa pensar não diminui em nada o filme de Mauro Farias,
por dois motivos principalmente. Primeiro porque um "jogo de cinema" depende,
acima de tudo, de um diretor que domine o meio, e Farias certamente é
dos nossos jovens cineastas (talvez lado a lado com Beto Brant) aquele
que possui maior talento para filmar e montar seus filmes com fluidez
e engenhosidade. Isso já estava presente naquele que é um
dos menos vistos e entendidos filmes brasileiros dos anos 90, o delicioso
Não Quero Falar Sobre isso Agora (que tenhamos um cineasta
nato de tamanho talento que só possa exercitar o cinema a cada
dez anos é um atestado do desperdício que é o complexo
do cinema nacional como um todo). Mas, em segundo lugar, um "jogo" precisa
de peças que funcionem, para que ele não resulte simplesmente
vazio. E isso o filme também tem, embora em menor dimensão
que no talento do diretor.
Não se está
cometendo qualquer injustiça ao chamar o filme de "jogo", uma vez
que ele deixa isso claro a todo tempo. O uso inteligente de artificialismo
e back-projection na reconstituição de época
quebra qualquer dúvida que exista. Da mesma forma pode ser lida
a trilha sonora extremamente participativa, algumas vezes até um
tom acima do desejado. Podemos citar ainda a questão dos personagens
que certamente são criticados pelos espectadores por envelhecerem
25 anos sem "verossimilhança". Mas, oras, se desde o início
esta opção pelo verossímil é claramente jogada
às favas, porque cobrar isso do filme no final? Trata-se claramente
não de um erro (como seria num filme de intenções
absolutamente naturalistas), mas de uma opção.
O roteiro é
que vai nos guiar de fato por este jogo, e nisto ele parece muito com
o filme de Neil Jordan, Fim de Caso. Assim como neste, nós
vemos dois tempos de uma mesma história, onde uma vez que conheçamos
mais detalhes sobre ela, tudo adquire um significado novo. Não
por acaso, aqui, como no outro filme (e para deixar claro, não
traçamos aqui um painel de "influência", porque ambos certamente
estavam sendo realizados ao mesmo tempo), vemos pela segunda vez cenas
que já havíamos visto antes, e a partir da recontextualização
da narrativa estas cenas nos parecem completamente diferentes. Aliás,
os paralelos são inúmeros já que trata-se de um outro
triângulo amoroso, e já que o amante é a parte ignorante
da história (embora, no seu mais particular os filmes sejam exatamente
opostos).
Mas importa menos
a forma neste caso, e mais ver que aquilo que torna os dois filmes fascinantes
é aplicarem com sucesso à narrativa cinematográfica
(que pela via da montagem se presta perfeitamente a isso) uma observação
ao mesmo tempo tão simples e complexa quanto a nossa vida: nem
sempre as coisas são o que parecem. Mais do que isso, ninguém
possui a perfeita compreensão de uma situação, de
um momento pois ele nos escapa sempre, completamente. Paulo Emílio
Salles Gomes (autor do texto em que se baseia o filme) entendeu a universalidade
desta observação, transpondo-a para a ficção,
e Mauro Farias usou seu talento para tornar esta simples idéia
num simples e adorável exercício de cinema. Precisávamos
de mais deles...
Eduardo Valente
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