Doce Lar,
de Andy Tennant

Sweet home Alabama, EUA, 2002


Andy Tennant se formou como diretor em séries de TV norte-americanas, e em momentos ele demonstra sua habilidade em componentes típicos deste formato: há pequenos diálogos no seu filme que possuem o "timing" cômico que é o grande atrativo deste formato televisivo, além de conseguir criar uma gama de personagens coadjuvantes facilmente conectáveis a um pequeno espectro de características que os torne empáticos e funcionais. Infelizmente, falta a ele o que é mais típico do formato cinematográfico: a capacidade de criar uma trama com um mínimo de coerência interna, personagens protagonistas fortes, e desenvolver ambos os aspectos. No filme, ao mesmo tempo em que a história parece solucionada já no primeiro plano, e todo o resto soa apenas como uma enrolação para que cheguemos ao esperado final, o diretor não parece nem um pouco disposto em dar aos personagens qualquer tempo de tela que permita que ganhem força acima desta função de ligar dois pontos esperados (o primeiro e os últimos planos). Toda vez que achamos que vamos entender algo mais sobre eles e suas relações, há uma mudança de atenção para um outro drama, onde nenhum acaba sendo efetivamente desenvolvido. O filme não chega a ser desprovido de interesse pela capacidade de montar algumas boas e curtas situações e por essa boa criação de personagens. Mas, não se sustenta nunca como unidade narrativa.

Devemos nos solidarizar com o dilema da protagonista entre dois estilos de vida. Claro que não se esperava aqui o radicalismo de opção de um Marie-Jo e seus dois amores, onde ambas as vidas são necessárias e atraentes. No caso dos pretendentes da protagonista aqui, até é feito um esforço de matizar e nunca torná-los "inferiores" um ao outro. Mas o fato é que o filme acaba não conseguindo fugir da necessidade de ridicularizar um destes estilos para afirmar o outro. Com isso, o espectador se sente enganado porque, afinal, quem afirma primeiro que a vida do interior é ridícula é o próprio filme. Então, quando no final há um tom de "envergonhe-se de não perceber a grandeza dessa vida", parece que o filme ri de si mesmo, só que sem se dar conta disso. O golpe aqui lembra muito aquele do outro filme de Reese Witherspoon, Legalmente loira. Neste filme de 2000 montava-se um suposto discurso em favor da substância acima da aparência, mas na verdade se louvava uma "aparência middle brow", onde se ridicularizava todos os que não viam na patricinha uma pessoa boa, mas ela também estava acima das verdadeiras patricinhas burras do filme. Ou seja, o filme ridicularizava outros para louvar seu modelo. Aqui, acontece o mesmo com o estereótipo dos sulistas: são na verdade "seres humanos maravilhosos", desde que não sejam muito ridículos.

Na oposição de modelos de vida, aliás, talvez esteja o maior interesse do filme, mas por motivos que certamente escapam a ele. Nos EUA há uma sensação de que a "verdadeira América" é esta das pequenas comunidades, das relações entre amigos de infância, do sonho da "high school sweetheart" (a namoradinha do colégio). Por isso mesmo, Nova York é uma cidade odiada por todo o país, por seu aspecto quase internacional, seus valores não tão óbvios, sua rapidez. O filme toma posição pela "América verdadeira", é claro, mas não só isso como o faz de forma bastante radical. O sofrimento de um novaiorquino vale pouco perto do de um "Alabamista". Estas duas versões do "ideal americano" (sua encarnação capitalista e sem maquiagem que é Nova York; e sua versão humana da vidinha do Sul) batalham, e a vitória não podia ser outra que não a do mais "americano". Com direito a hino local (a canção-título original) e muita celebração. É a América, como sempre, louvando a si mesma e suas idiossincracias, passando por cima de todo detalhe que vá atrapalhar o triunfo final dos "bons sentimentos" sobre quaisquer outros. Nada de estranho num país que reencena as batalhas de sua História, como vemos no próprio filme. O orgulho, mesmo na rendição e na derrota, é a marca de um povo que usa o cinema como constante remédio contra suas frustrações, pela ilusão de uma identidade nacional forte e inquebrantável. Sweet Home America.

Eduardo Valente