Dirigindo no Escuro,
de Woody Allen


Hollywood Ending, EUA, 2003

Nos últimos anos Woody Allen vem um tanto desastradamente tentando se reaproximar do seu inicio de carreira. O próprio cineasta já afirmou seu desejo de dar ao cinéfilo uma opção ao que ele vê como a decadência da comédia americana, um produto que fosse ao mesmo tempo popular e sofisticado. Foi com esta intenção que ele fez seus três últimos trabalhos; todos eles problemáticos, mas mais interessantes do que vêem recebendo credito. O que talvez primeiro se destaque nesses filmes, seja Allen começar a fugir dos modelos europeus que vinham dominando a maioria dos seus filmes desde Interiores (geralmente mais para o mal do que para o bem), alem de tê-lo feito se reaproximar das suas origens populares . Em Dirigindo no Escuro pela primeira vez desde Desconstruindo Harry, Allen interpreta ele mesmo, o seu tipo artista intelectual neurótico, mas vale dizer que ao contrario dos outros dois filmes onde ele faz um cineasta, ele trabalha a partir de um ponto de partida cômico bem simples (Memórias devia a e Crimes e Pecados a Crime e Castigo).

Há vários problemas com Dirigindo no Escuro, dos quais o mais aparente é que, como comédia, o filme simplesmente é muito pouco engraçado. O timing de Allen nunca foi pior e o numero de tiradas que deviam ser engraçadas, mas falham em provocar qualquer reação beira o constrangedor. Para muitos isto seria razão suficiente para descartar o filme, mas não pode um filme falhar dentro das suas expectativas de gênero e mesmo assim se revelar dos mais interessantes?

O outro problema de Dirigindo no Escuro é a pobreza da sua suposta sátira a Hollywood e a ênfase que Allen dá a ela. È menos uma questão de reclamar que é hipócrita de Allen fazer uma crítica a Hollywood produzido por Spielberg (pelo mesmo critério deveríamos descartar Crepúsculo dos Deuses, não?), do que perceber que Allen é por demais um insider desta industria, por mais que a maquina publicitária sempre o tenha vendido como alternativa a ela, para ter a visão acida e incisiva que ele tenta aparentar. A maior parte das cenas que se dedicam a sátira soam bobas e frágeis, o tipo de coisa que deve ter deixado os executivos ali retratados mais satisfeitos por se verem num filme do que incomodados. O que se soma as piores tendências a superioridade que Allen sempre demonstrou, há uma piada especialmente maldosa com Peter Bogdanovich que me deixou com vontade de agarrar Allen pelo pescoço e dizer a ele quês os filmes para TV que Bogdanovich fez são bem melhores dirigidos que qualquer coisa realizada por Allen.

O que há de interessante aqui então? Dirigindo no Escuro é um filme sobre o oficio do diretor, sobre o que é fazer um filme. Ao realizar um filme, um diretor sabe que é preciso fazer seu espectador acreditar em algo que não está ali, faze-lo comprar algo que no fundo não existe, que será sempre uma grande construção. Val Waxman, o protagonista do filme de Allen, não pode mais fazer isto, ele está cego, incapaz de poder manipular os elementos que lhe permitiriam isto. Val Waxman está impedido de exercer seu trabalho, mas se vê numa situação curiosa. Se não pode manipular aquilo que irá parar na película, ele precisa manipular todo o espaço ao seu redor. Val Waxman tem que retrabalhar este espaço e agir de forma que sua condição de cego passe despercebida. È preciso convencer todos aqueles ao seu redor de que ele é um homem capaz.

Como estamos numa comédia Val freqüentemente se atrapalha nesse esforço. O que leva todos ao se redor ignorar sua cegueira então? Não só nos lembramos da nossa própria posição de espectadores, nossa disposição de comprar o que esta na tela mesmo que muitas vezes (como aqui), as imagens se apresentem a nós de forma um tanto desajeitadas. Mais importante somos lembrados do fascínio da figura do cineasta, Val Waxman pode agir de forma excêntrica porque todos, do presidente do estúdio ao rapaz que serve café, parecem dispostos a lhe permitir isto. Ele é um gênio, tem tudo na sua cabeça, pode fazer o que quiser. Já que como todos que assistem aos copiões lhe repetem, ninguém sabe bem como fazer o seu trabalho. Isto claro, enquanto ele trabalha, porque na hora que vemos o filme pronto, Allen nos lembra, somos todos bem rápidos em apontar o que seria um bom filme. O encanto de Dirigindo no Escuro está ai nesta nossa relação estranha com a figura do cineasta.

Filipe Furtado