Didi
- o Cupido Trapalhão,
de Paulo Aragão e Alexandre Boury
Brasil,
2003
Quando Antônio Carlos "Mussum" veio a falecer, em meados
de 1994, o cinema brasileiro apenas esboçava as bases para a retomada
de sua produção e Os Trapalhões completavam 3 anos
sem lançar um filme sequer. Se na década de 80, o quarteto
chegava a lançar dois filmes por ano, o início da década
90 marcou o que parecia ser o fim dos filmes trapalhônicos (Zacarias
havia morrido em 1990). Tristes e economicamente abatidos após
o fim da Embrafilme, Renato Aragão e Dedé Santana passariam,
então, quase 6 anos sem qualquer aparição na TV ou
nos cinemas do Brasil – dando a impressão de que se havia chegado
a um fim absoluto para os filmes da grife.
Quando em 1997 foi
anunciada a produção de O noviço rebelde, estrelado
apenas por Renato Aragão e com uma tímida participação
do eterno "escada" Dedé Santana, o sucesso de público
(catapultado pela presença da dupla Sandy & Junior) nada parecia
indicar que o charme e a habilidade cômica do antigo grupo pudesse
ser sustentada por um solitário Didi Mocó. Melancolicamente
isolado em meio a estrelas de televisão que pareciam apenas repetir
o estatuto sub-naturalista das telenovelas, Didi não encontrava
parceiros à altura de seus "chistes" e passava por situações
realmente constrangedoras (como uma sequência inteira dedicada à
publicidade de um certo parque temático...). Enquanto isso, a óbvia
ausência de Mussum e Zacarias (e mesmo do esmaecimento de Dedé)
era realçada pelo enorme sucesso que as reprises do programa Os
Trapalhões alcançavam nas tardes da TV Globo. Era impossível
ignorar que o humor circense e a dinâmica do grupo seriam insubstituíveis
e que Didi (apesar de ter sido sempre o protagonista entre os quatro)
era incapaz de suprir a riqueza cômica de seus antigos companheiros
. Seria mais fácil haver Trapalhões sem Didi Mocó
do que Didi Mocó sem Trapalhões.
Isso já havia
ficado claro em 1983 quando Didi e os outros três Trapalhões,
em função de desentendimentos internos, haviam estrelado
filmes em separado: a comparação entre O Trapalhão
e a Arca de Noé (com Didi) e Atrapalhando a Suate (com
Dedé, Mussum e Zacarias) explicitava a inegável superioridade
do segundo filme sobre o primeiro. Enquanto o filme do trio trazia uma
das melhores e mais engraçadas paródias criadas pelo grupo,
o filme protagonizado unicamente por Renato Aragão deixava clara
a precariedade de seu isolamento. Sendo o único dos quatro personagens
com sinceras pretensões de bondade e heroísmo, Didi sempre
dependeu da covardia histérica e do heroísmo interesseiro
de seus companheiros para compor suas narrativas. Dedé, Mussum
e Zacarias se não capitaneavam a narração nem protagonizavam
as melhores piadas, eram os artífices de uma atmosfera de picadeiro
que dava a Renato Aragão o estatuto cômico indispensável
para a exploração de suas habilidades.
Sabendo disso, em
seu retorno à TV, o comediante tem se dedicado, nos últimos
anos, a uma missão impossível e constrangedora. Entre a
escalação de astros pop de segunda grandeza e a procura
por novos parceiros para a comédia, Renato Aragão vem tentando
resolver dois problemas com uma elencada só, promovendo uma medíocre
reedição do que seria uma trupe de comediantes. E é
essa trupe – composta pelo cantor romântico Marcelo Augusto, pelo
dançarino Jacaré (É o Tchan!) e pelo ator Tadeu Melo
– que é levada pela primeira vez à tela do cinema em O
Cupido Trapalhão. A escalação de um pseudo-galã
(Augusto), um músico negro de sorriso largo (Jacaré) e um
comediante frágil e infantilizado (Tadeu Melo) já foi negada
pelo próprio Aragão como tentativa de reproduzir a antiga
formação do quarteto. É verdade que, se falta talento
e personalidade aos citados para sequer esboçar uma imitação
da trupe original (Tadeu Melo é o que mais se aproxima da linguagem
do antigo quarteto), ao menos o layout dos integrantes é de inegável
associação.
Ao contrário
do realizado nos dois últimos filmes, em O Cupido Trapalhão,
Didi Mocó não está mais solitário como contraponto
cômico à narrativa romântica. Logo no início
do filme o trio de novos parceiros é apresentado como os assistentes
do Anjo Didi na casa da jovem Julieta (Jackline Petkovic). Baseado nesse
casting bizarro e de pouquíssima capacidade expressiva (Petkovic
parece estar se esforçando para esganiçar cada palavra ),
o filme quer retomar a série de tradicionais paródias trapalhônicas
(abandonada nos últimos dois filmes). A idéia de transpor
a história de Romeu e Julieta para os dias de hoje não é,
digamos, dona de muita originalidade (visto que a estrutura do "amor
impossível" já se tornou quase um arquétipo
dramatúrgico, assimilado diariamente pelas telenovelas), mas é
isso o que o filme tenta fazer.
Fica clara a incapacidade
de direção e roteiro em construir um discurso ao mesmo tempo
simples e crítico (típico dos melhores filmes do grupo),
acabando por fazer não uma paródia, mas uma comédia
romântica melosa, empacotada para crianças. O time de mulheres
siliconizadas escalado para aparecer de calcinha e sutiã em cenas
e planos gratuitos parecem expressar a preocupação dos produtores
em dar aos pais que acompanharem seus filhos, um mínimo de distração
carnal diante de uma estrutura narrativa sem qualquer atrativo. Por fim,
o que se tem é uma espécie de filme da Xuxa onde no lugar
da "rainha dos baixinhos" está a loirinha apresentadora
Petkovic e onde Didi parece antes servir às precariedades do filme
(dando-lhe um mínimo de graça e resolvendo aspectos da trama)
do que exatamente sendo o seu astro maior. Seu trio de trapalhões
fajutos serve apenas como pano de fundo e algumas poucas piadas, nunca
reatando qualquer tipo de dinâmica circense à narrativa.
A malícia ingênua de Dedé, Mussum e Zacarias é
substituída por uma esfregação gratuita entre as
jovens malhadas e os assistentes de Didi, em cenas que primam pela falta
de interesse e por uma sensação de que ninguém ali
sabia o que estava fazendo além de ter a certeza de estar aparecendo
com pouca roupa diante de uma câmera. A isso se somam alguns números
musicais de estrelas do momento (Kelly Key, entre outros), que reiteram
a tradição do comediante em tentar dialogar com as estrelas
da cultura de massa.
É uma pena
que esse diálogo tenha se transformado, nos últimos anos,
numa mera escalação de rostos e, no caso desse último
filme, de bundas e seios inflados. Ver Renato Aragão jogando fora
sua habilidade para o improviso pícaro em nome de piadas marcadas
e mastigadas, revela a precariedade de um projeto e direção
incapazes de corresponder à sua demanda criativa ou mesmo à
inteligência do público infantil. Uma proto-pornochanchada
acanhada, sem qualquer talento senão o do veterano comediante.
A noção de picadeiro, de interpretações circenses
e de piadas motoras (cambalhotas, tropeções, quedas) é
menosprezada pela direção, em nome de um naturalismo meloso
e constrangedor.
Didi-O Cupido Trapalhão
é a imagem triste do que se tornou o eixo do cinema infantil brasileiro
pós-Xuxa (com raras e louváveis alternativas): seu contraste
com os grandes sucessos do quarteto do final da década de 70 e
início de 80 deixa claro que se antes o circo trapalhônico
brincava de engolir a cultura pop e falar dela num misto de homenagem
e deboche, hoje, ele a reproduz resignado (e satisfeito com seus raros
momentos de graça). Encarar Marcelo Augusto como comediante é
mesmo missão apenas possível ou para os muito novos ou para
os desmemoriados. E se me cabe o direito a uma pergunta de quem cresceu
vendo aos filmes do quarteto: pelo amor de padinciço, seo
Didi – cadê o Dedé ?
Felipe Bragança
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