Deus
é Brasileiro,
de Carlos Diegues
Brasil,
2003
O livre-arbítrio é o nome deste estado de prazer complexo
do homem que Quer, que Dirige e que ao mesmo tempo se confunde com aquele
que executa (...) estimando no seu íntimo que foi a sua vontade
que triunfou sobre as resistências." (Nietzche, in Além
do Bem e do Mal)
Falta de habilidade,
articulada a um projeto de cinema caduco. Criação grosseira
e desconjuntada cujo poder de sedução parece nascido desse
cego sintetismo patriótico em que apostam algumas múmias
e outras marionetes. Deus é Brasileiro é um filme
tecnicamente ruim. Ruim em roteiro, decupagem, fotografia e atuações;
acalentado por algumas boas piadas e uma bolha de otimismo senil que parece
brilhar aos olhos de parte de nossa intelectualidade. Alavancado pela
máquina de divulgação global, o filme inicia sua
carreira e aponta na esquina como um sucesso de público.
Será que vale
tamanho desinteresse estético e de linguagem em prol da defesa
de uma dócil identidade nacional? Vejamos:
* *
*
Pequeno
compêndio de amenidades associadas ao moribundo conceito de identidade
nacional una, Deus é Brasileiro impressiona pelo marcante
esmaecimento do cinema de Cacá Diegues e de sua incapacidade de
criar o novo. Voz de uma obra calcada na construção reiterada
de alegorias do nacional (exemplo maior em Bye Bye Brasil ) e arquiteto
de alguns dos momentos de maior pretensão sintética do cinema
brasileiro pós-abertura, Cacá Diegues é um diretor
marcado por alguns dos mais pesados fardos da tradição CPCista
de construção cultural do signo-Brasil. Se na força
auto-destrutiva de Glauber Rocha (em seu A Idade da Terra 1981)
ecoava o germe de uma possibilidade da reinvenção de signos
através de uma fragmentação trágica (e não
sintética) da vida, na obra de Diegues, os anos 80 trouxeram justamente
o oposto: um ressentido retorno ao desejo moral de recriação
da nação Brasil sobre os parâmetros da diversidade
apaziguada e uma série de metáforas para exprimir a melancolia
dos projetos não-alcançados.
Em entrevista
sobre Bye Bye Brasil, à época de seu lançamento
em vídeo (meados dos anos 80), Diegues fala dos motivos centrais
que o levariam a pensar o filme: "Eu estava fazendo um filme sobre
religiões populares na Amazônia (...) entrei em contato com
aquela realidade (...) e percebi que o Brasil vivia muitos tempos, e que
aquilo estava mudando." Essa identificação das diferentes
temporalidades que marcavam (e marcam) o espaço físico do
país, como um traço típico de brasilidade, é
a marca de um pensamento de cinema que reitera o desejo por uma imagem-síntese,
calcada na procura de uma identidade capaz de se tornar um objeto de mesmidade:
um modo de Ser-Brasil mesmo que esse modo seja, hoje, o da decantada
"diversidade". Esse palavrório da diversificação
cultural aparece como o desejo ainda de uma integração nacional
apaziguadora, capaz de esmorecer as recorrentes ebulições
sócio-culturais de nosso vasto território. Ignorando qualquer
possibilidade de um novo paradigma de país que se calque numa renovação
contínua e não-dialética (ou numa dialética
inconclusiva).
Com o fim do positivismo
fácil do projeto desenvolvimentista nacional da década de
70, o cinema de Cacá Diegues entra no moribundo ciclo de melancolias
e promessas de futuro que marcam a abertura política no país
através de um novo populismo construído também
em torno da televisão brasileira sob o signo desse multiculturalismo
festivo. Esse assumir a diferença como constituição
mesma da forma de ser da Nação Brasil, é uma eficaz
ferramenta para o esmaecimento das afecções e vivacidades
trágicas que pipocam o corpo de nosso território urbano
e rural: torna-se "tipicamente brasileiro" a multi-temporalidade
Humanidades são sobrepostas às diferentes formas de vida
que povoam nosso espaço, funcionando como uma flexibilização
estratégica que encontra ainda o Ser-Uno Brasil. O mito da mestiçagem,
do hibridismo ganha o senso-comum, conquistando, e sendo conquistado,
pelo Estado.
Estética e
conceitualmente desenvolvida em torno da dinâmica televisiva e telejornalística,
essa prática da assimilação de paisagens e olhares
através da "liga-cola" midiática, dá-se
através da constituição de um modus-operandi cognitivo
que se arvora o poder de expressar a diferença por dentro de uma
mesma forma, de uma mesma sintaxe sígnica. Esse olhar que assume
a diversidade cultural como justificativa carnal para sua dinâmica
de sobrevôos é característica de um certo turismo
audiovisual que vem marcando a integração nacional pós-abertura.
Esse gênero turístico de constituição espacial
se caracteriza pela capacidade da assimilação da diferença
através de um esmaecimento do pulso e do ritmo que as caracterizam,
fazendo dela um conjunto de objetos de quê se fala, que se mostra,
que se sobrevoa, numa estética calcada em personagens centrais
oniscientes (repórteres, em sua maioria) que entram em contato
com os espaços narrados como bóias salva-vidas de identificação
para o espectador.
Diante da agonia do
Deus-Estado, da desilusão em utopias reducionistas e das metáforas
da justiça, a imagem da diversidade torna-se esse último
porto, onde tentam se agarrar os desejos fracassados de uma totalização
brasileira.
Em Deus é
Brasileiro, Cacá Diegues retorna ao gênero de road movie
com a pretensiosa vontade de traçar um só elogio a esse
país pacato e feliz, "tipicamente" entregue à
brisa fresca e às paisagens urbanas e rurais que poderiam constituir
um catálogo de turismo- de-aventura dos estados do Tocantins, da
cidade do Recife, e de alguns vizinhos.
Utilizando mal um
belo conto de João Ubaldo Ribeiro, Cacá Diegues faz um cinema
viciado e inoperante, revivendo as caravanas de filmes passados, mas agora
com a falta de alma e a tipificação de personagens provindas
desse novo humanismo-turístico que se interessa pelo que é
interessante, pelo que cabe num álbum de retratos pelo que
consegue ser amado por esse mesmo amor que tudo põe em um mesmo
balaio.
Se no cerne de Bye
Bye Brasil, estava o espanto e a perplexidade traçada nas alegorias
do mambembe e do nacional, em Deus, Diegues não consegue
estabelecer sequer uma re-leitura de seus signos. Fazendo antes uma des-leitura,
um retorno desalmado, um entregar-se à trama amena, carcaça
de película, amuletada no talento cômico de Wagner Moura
e na premissa de João Ubaldo (que quase se esgota na sinopse...).
O filme é contado
de forma populista (não digo popular: através de signos
cotidianos belos exemplos nas comédias em cartaz Separações
e Houve uma vez dois Verões, por exemplo), traçando
um retrato amorosamente piedoso em relação ao "povo
bom" de nosso país, aos "excluídos" tão
doces, arquitetando piadas sobre o exotismo do sotaque de Taoca/ Wagner
Moura, e apinhando o filme com sonoridades "típicas"
do nordeste como forma (ainda, meu Deus!...) de se traçar um retrato
do jeito-de-ser brasileiro. O que impressiona é a forma desanimada
(sem alma) com que esse movimento é feito, mecanicamente construído
sobre a necessidade de uma comédia-verbal para grandes públicos
(marca até agora do projeto Globo Filmes de cinema de grande público)
e a colagem de paisagens da, ainda presente, "fronteira" de
civilização no país. Soma-se a isso algumas críticas
ressentidas e autômatas à televisão (o papel de Suzana
Werner é plantado de forma grotesca) e uma falta de pulsão
central ao filme, que parece não saber o que fazer depois que o
argumento inicial se esgota no primeiros 20 minutos.
Uma falta de invenção
estética através de um universo primordial (leiam o conto
de Ubaldo para ver em cada palavra um pulsar mesmo de seus personagens)
seja talvez a fonte de uma série de equívocos operacionais
que se arrastam por toda a narrativa. Um roteiro que confunde personagens
sem-rumo com dramaturgia sem-rumo, faz do filme um objeto precariamente
constituído sobre a pesada necessidade de se sustentar até
o fim da projeção e que nada tem com a proposta de um
cinema que fugisse da ditadura do roteiro, mas com uma apreensão
precária da narrativa de cordel (parafraseada com habilidade por
Ubaldo).
Do roteiro à
fotografia, passando pela decupagem, o filme todo parece carregar uma
dolorosa necessidade de se realizar sobrepujado a parâmetros pré-estabelecidos.
A adaptação do conto de João Ubaldo ("livre",
que seja...) é um dos maiores crimes estéticos já
realizados com um exemplar de nossa literatura. E digo isso não
por uma pureza que defenda a mera transcrição direta de
eventos para a tela, mas por observar o quanto a não apreciação
da dinâmica interna de um texto pode acarretar nesse tipo de fracasso
artístico. Cacá se utiliza da carcaça da escritura
de João Ubaldo, olha-a como quem vê uma pequena anedota
e crava-lhe um agrupado de reiterações das mesmas piadas
e pequenos obstáculos de narrativa que, ao invés de potencializar
o argumento original, vai diluindo-o gradativamente.
Se no conto de João
Ubaldo, Deus vinha à Terra numa missão rotineira de conquista
de um Santo, no filme isso é inflado a um nacionalismo constrangedor
("Deus é brasileiro", tenha dó!) em que o Criador
quer um brasileiro para lhe substituir em suas férias... O que
no conto era narrado em ritmo coloquial, na primeira pessoa de um pescador
(onde Deus se misturava aos pescadores de um vilarejo e procurava um Santo
conhecido por ajudar pessoas não muito bem vistas, e acaba virando
a noite num puteiro), no filme, torna-se um discurso patriótico
azedado, onde o Santo (apesar de gago) é realmente o exemplo de
um bom homem, que educa crianças carentes e protege índios
de fazendeiros. A suavidade de "causo de pescador" com que o
conto é narrado, é transposta ao roteiro com a mão
pesada de um diretor ainda em busca de um retrato das matizes de um país
na eterna esperança de que um olhar para o campo, o sertão
e o arcaico trarão essas respostas. (Tradição de
uma anti-urbanidade estéril num país com 80% da população
vivendo nas cidades).
O fato é que
o roteiro mal consegue optar entre o discurso mágico assumido e
as amarras de uma trama de obstáculos resultando numa série
de soluções dramáticas risíveis, e em problematizações
conjunturais que parecem ter sido plantadas apenas para que o filme demorasse
mais um pouco a se esgotar. Figuras como a de Baudelaire Vieira são
colocadas na tela sem nenhum outro desdobramento estético que não
o de dar sustança ao arrastar dos acontecimentos (o bom e velho
"encher lingüiça") e fazer o papel reiterativo de
vilão-opressor-do-povo.
Em se tratando de
um filme onde Deus está presentificado, a narrativa fica perdida
entre a descrição de fatos e uma possível sintonia
oracular, onde acontecimentos estariam interligados alegoricamente. Diversas
pistas falsas são lançadas durante o filme, em tímidas
promessas de alguma inteligência, mas funcionam apenas como mais
algumas gags (ou gagueiras?) de roteiro: Porque a personagem de Paloma
Duarte se chama Madalena só para ter a ver? Porque Deus vem vestido
de turista e/ou intelectual do Leblon mas não pode criar dinheiro?
Porque Taoca sonha com o rosto de Madá antes mesmo de conhecê-la?
De que serve a personagem do menino Messias (grotescamente representado
por um ator-mirim) apenas outro nome bem sacado? Essa falta de consistência
do roteiro, que nunca se define entre as simbologias dramáticas
e as gags para entreter o espectador, é uma das principais causas
da inoperância dramatúrgica do filme que por vezes lembra
a simplicidade de um filme dirigido ao público infantil, mas sem
a mesma liberdade de fantasia.
Junta-se a isso a
decupagem e a câmera irregulares de Beato/Cacá, que parece
não ter chegado a nenhum conceito geral da imagem resultando
em uma colagem de planos médios, de conjunto e closes; em que a
paisagem se desfoca sem motivos, as cores variam da saturação
à granulação pixelada de um corte para outro, e muitas
vezes percebe-se uma dificuldade técnica de fazer com que o filme
caiba dentro do enquadramento atores teatralizados em marcações
rígidas e cenas mal-acabadas parece esperar por deixas do diretor
(as participações de alguns atores locais é mesmo
constrangedora).
Em momentos de diálogos
sem corte, a mudança de foco de primeiro para segundo plano parece
menos uma proposta de direção do que uma adaptação
custosa do filme aos parcos resultados de imagem conseguidos no trabalho
com a posterior finalização digital. Os planos tornam-se
chapados, sem profundidade, e tem-se a impressão que a steady-cam
está ali para tentar preeencher as sequências com movimentos
que diversifiquem sua falta de vivacidade (assim como as gags de Taoca
dão sopros de vida ao texto funcionalista).
O filme não
se constrói na carne da imagem; ao contrário, se apresenta
como uma encenação de um texto onde a câmera "serve"
ao filme, descreve a trama e não a constitui. Inúmeras são
as passagens sem nexo, como o encontro da foto do Santo num pedaço
de jornal; o mistério infértil do homem que lhes dá
carona; a mulher que se nega a dançar com Fagundes aos berros e
tem sua cena cortada sem motivo; a exploração de Deus das
esmolas de um povoado pobre do Tocantins; a variação de
Deus entre a onisciência e o naturalismo de um sujeito (conforme
a necessidade funcional do roteiro, ao que parece).
Esses equívocos
marcam também a fraca caracterização dos protagonistas:
Paloma Duarte parece uma menina da Zona Sul carioca forçando um
sotaque (o que é aquela família tipo-Portinari que surge
diante dela em Brasília Teimosa, lembrando os momentos mais bregas
da campanha de Duda Mendonça para Luiz Inácio; ou sua repentina
retirada de vestido diante de Fagundes; ou seu olhar piedoso para o menino
pobre sobre o caminhão?!...). Antônio Fagundes repete a preguiçosa
interpretação do "gente boa canastrão"
(típica e mais bem-sucedida em seus papéis urbanos na TV)
onde por vezes adivinha o futuro e faz espetáculos pirotécnicos
e, noutras, prefere ajudar o roteiro a arrumar problemas concretos para
resolver (no conto de Ubaldo, por exemplo, os milagres de Deus são
apresentados pela primeira pessoa do narrador, que "poderia jurar"
que Deus fez milagres e as ações do Criador alcançam
uma ambigüidade cativante ausente no filme). Wagner Moura, um dos
poucos pontos positivos do filme, tem de carregar a maioria das cenas
nas costas, tirando graça de um texto pouco inspirado e repetitivo
mas é uma carga muita pesada para ser levada sozinho.
Uma narrativa em que
um fade out (logo após de Deus ter pedido que Madá fosse
"cuidar de sua vida!") e chicotes de câmera (no diálogo
de Taoca com os irmãos no casório) surgem como esparadrapos,
resolvendo problemas de roteiro e montagem, forçando um ritmo que
ali não há, cheirando à precariedade (e nunca a improviso
criativo). A carnalidade da câmera-na-mão é revisitada
numa fluida e asséptica movimentação onde, ao invés
de construir, a lente parece correr atrás da imagem, tentando alcançá-la
onde pouco está. Uma grande acumulação de cenas de
ligação, seguidas de cenas de ligação, que
se ligam a cenas de ligação pontuadas de pequenas "mensagens
sociais" e retratos da sempre presente retórica do "povo
brasileiro" e desse sentimento único que nos reuniria.
* *
*
O filme
só retoma sua energia mínima quando deixa de lado esse compêndio
de signos mal-trabalhados e retoma a estrutura original do conto de Ubaldo,
com o Deus e Taoca voltando para a paisagem original do São Francisco.
Nesse ponto, o filme volta a caminhar, retomando os pontos deixados abertos
desde as primeiras seqüências, quando os personagens passam
a disputar/dividir a culpa pelo fracasso da expedição e
do mundo; onde Deus joga fora seu caderno, relembra o livre-arbítrio
dos homens e aprende a amar. Elogio a imperfeição? Ou reafirmação
recalcada da fraqueza?!
Essa colocação
dos homens como culpados e responsáveis pelo futuro é uma
rearticulação viciada de um mesmo olhar utópico,
agora sem rumo, nessa celebração do imperfeito como resposta
à perfeição desejada anteriormente, mais ainda incapaz
de escapar a esses parâmetros de felicidade: a imperfeição
se torna a nossa nova e recalcada perfeição!
Nesse populismo mágico,
o plano final (único de beleza interna em todo o filme) funciona
como uma cantata final aos ouvidos do espectador, onde a canoa e a lua
esboçam as geometrias da bandeira do Estado Brasileiro, seguidos
da patriotada do título que ressurge em grandes letras: Deus
é Brasileiro. Na contemporaneidade do país em que a
máquina do Estado cada vez mais perde suas possibilidades de ação
direta na vida cotidiana, esse movimento de uma nação formada
pela suposta unidade espontânea (numa distorção burramente
dialética do ideal de resistências de movimentos sociais,
ONGs e das afecções individuais) é o último
bastião de um projeto de um país, onde agora os moralismos
do fracasso e da culpa (ou dos nossos heroísmos e milagres!...)
são cravados em nossas vidas mesmas, e não mais nas costas
de Deus (Estado).
O Povo é o
país, o país é o Povo, sussurra Diegues, nessa piedosa
e paternalista mirada sobre as pessoas... Num misto hilário de
liberalismo e populismo, que aposta agora nessa síntese da diversidade
como marca de nossa identidade comum (uma volta em torno do rabo): em
que se quer a imperfeição (como se houvesse a possibilidade
de um módulo único para o imperfeito) como nosso novo leit-motiv.
Uma retórica
otimista, sintonizada com a onda de orgulho nacional pós-vitória
de Lula, um discurso que se engana mais uma vez na idealização
divinizada de que ainda é possível um Brasil unilateralmente
concretizado nesse amor-próprio generalizante. Sobre a sombra de
nossa precariedade brejeira, vem a promessa de que ainda é possível
um cinema que represente essa suposta e doce amenidade gentil: que nos
faria iguais, que nos faria os mesmos em nossas temporalidades adversas
um cinema que vê num mesmo amor, numa mesma simplicidade, numa
mesma precariedade, o espírito de um só povo.
Como se muitos não
fossem as formas de amar, de ser simples, e de querer um mesmo país,
espaço, lugar...
* *
*
As risadas do público
durante a projeção (que vão minguando conforme o
filme caminha), me parecem fruto desse otimismo infantilizado, piegas,
do talento de Wagner Moura, e da matriz de Ubaldo, cuja premissa, por
si só, serve de nota central para o desenrolar das esquetes. Restam
ainda uma ou duas passagens de computação gráfica
que conseguem não incomodar, a pictórica beleza das paisagens
visitada e a cegueira gritante que parece querer relevar toda a falta
de habilidade na criação do objeto-filme em prol de um sentimento
de felicidade e otimismo extra-filme.
Suspiro de um cinema
de cunho sintético-popular o filme é um morno e sem gosto
retorno a um projeto ultrapassado em seus desejos de compreensão.
De um cinema-espírito-país fragilizado, que nem mesmo sabe
cair na sábia agonia barroca de um filme como Estorvo (Ruy
Guerra); e vai se esmaecendo, esmaecendo, enfraquecendo a pele e os ossos
(decupagem e roteiro), amolecendo os dentes (a câmera), pendendo
a cabeça (a direção)...e morre dormindo ao som dos
joguinhos verbais que lhes serviam de muletas.
Para aqueles que quiserem
conhecer/relembrar a fundo o cinema de Cacá Diegues, recomenda-se
uma visita ao aclamado e polêmico Bye Bye Brasil, lançado
pela Globo Video. Em Deus, só nos resta um farrapo de imagem
e de sol, de um cinema-Deus que parece não saber mais exatamente
o que fazer por aqui, querendo se contentar facilmente com as "coisas
como elas são", achando tudo lindo demais, como quem sempre
quis aquilo que aqui está. Uma certa ética da plenitute
marcada no conto de Ubaldo ("Não há fracasso Nem
toda pescaria dá peixe") é desfigurada e utilizada
para dar voz a esse orgulho covarde, a essa humildade às avessas.
A criação
da vida recompensada por um happy end romântico, onde a voz
da totalidade nos sufoca com seu pesado e doce elogio. Disfarçando-se
em comédia despretensiosa... Fingindo que era só mesmo isso
que ele queria... Um simples e saudoso "filme popular brasileiro",
um elogio ao povo, só isso... Louco para tirar suas férias
lá nas estrelas e nos achar belos como ele quis, e nos querer bem,
enquanto signos presos no visgo de sua limitada observação
cinematográfica... e nada mais.
"Talvez porque
Deus é Brasileiro tenha me dado tanto prazer, não
sei bem o que quero fazer agora". (Cacá Diegues)
"Querer é
dirigir em si qualquer coisa que obedece, ou que julgamos obedecer-nos."
(Nietzsche, in Alem do Bem e do Mal).
Boa viagem!
Felipe Bragança
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