Depois
da Vida,
de Hirozaku Kore-eda
Wandafuru
raifu, Japão, 1998
Ao pensarmos no habitual retrato de possíveis vidas após
a morte no cinema, principalmente o americano, o que nos vem à
mente são imagens celestes, repletas de nuvens e saturadas de branco.
Ou dramatizações exageradas, como em Amor além
da vida, de Vincent Ward. Qual não é a surpresa, após
o início de Depois da vida, ao perceber que, o despachado
escritório semelhante a uma repartição pública,
ao qual chegam funcionários em uma manhã de segunda-feira,
representa um posto de passagem para onde as pessoas são enviadas
logo após a morte. Essa visão ímpar e curiosa irá
marcar este interessante filme do japonês Kore-Eda, que já
demonstrara um talento peculiar em retratar emoções íntimas
com seu filme anterior, Maborosi.
É numa casa
de campo que os recém-mortos são recebidos pelos funcionários
que os orientam, durante os três primeiros dias, para a escolha
de um momento especial de suas vidas. Este momento deverá ser filmado
durante o restante da semana e, após a projeção das
imagens no sábado, será a única lembrança
a permanecer em suas mentes, após serem finalmente enviados a seu
destino final. É curioso ver os vários personagens que vão
chegando, tendo lembranças e narrando seus depoimentos aos funcionários-guias.
Filmados pelo diretor de uma forma direta, lembram os recentes documentários
do nosso Eduardo Coutinho e tamanha é a sinceridade impressa aos
depoimentos, que chegamos a questionar se estes seriam interpretados por
atores ou depoimentos reais.
É claro que,
dentro de uma ampla variedade de personagens, e devido ao processo de
tradução e legendagem, algumas narrativas se perdem um pouco.
Entretanto são demasiado marcantes o senhor que declara uma exaustiva
vida sexual e uma velhinha que pouco fala, mas cuja simples presença
na tela já emociona. E o diretor não deixa de lado uma crítica
à influência americana no imaginário japonês
quando uma adolescente (como fazem também a maioria dos que morrem
durante esta faixa de idade) escolhe, a princípio, uma viagem à
Disney como experiência mais feliz.
Alguns, entretanto,
não conseguem fazer uma escolha. Seja por terem levado uma vida
sem emoções, como o Sr. Watanabe, seja por opção
pessoal, como o jovem Yusuke. E aí o diretor explora o drama dos
funcionários-guias, que seriam justamente as pessoas que não
conseguem escolher e tanto se empenham para que outros não tenham
o mesmo destino. Mas que optaram, frente a uma estática e ascéptica
felicidade eterna, por manter sua humanidade e a capacidade de pensar,
sofrer e até amar, mesmo que seja dentro de um cotidiano burocrático.
Como fazem Shiori, a caloura entre os guias ou seu ídolo/amado
Arata, que, ao descobrir pontos em comum entre sua trajetória e
a do Sr. Watanabe, passa a rever suas opções.
Ao retratar os momentos
em que as lembranças são filmadas, em um grande estúdio
onde vemos a construção dos diversos cenários, Kore-Eda
presta uma bela homenagem ao poder ilusório do cinema, e sua capacidade
de transcender a própria vida. O próprio título original
do filme (Wandafuru raifu), transcrição de Wonderful
life, é uma uma citação à obra-prima de
Frank Capra, A felicidade não se compra. Pode ser que este
tipo de abordagem seja um tanto batida, mas a forma como o diretor a apresenta
é no mínimo curiosa. Mas a imagem mais poderosa de Depois
da vida é aquela de uma lua cheia que se projeta para dentro
da casa por um buraco no teto. Filmado e editado dentro de um ritmo pausado
e reflexivo, tão caro à cinematografia oriental e tão
conveniente ao tema, a fita é um convite a uma pertinente reflexão
sobre aspectos da condição humana, que pouco cede espaço
a banalizações. Uma bela peça de cinema, que por
vezes alterna momentos emocionantes e outros tediosos. Como a vida.
Gilberto Silva Jr.
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