O
Céu Pode Esperar,
de Chris Weitz e Paul Weitz
Down
to Earth, EUA, 2001
O que se pode
esperar ainda da enésima refilmagem desta história que hoje
já é, se não de domínio público, de
"domínio do público"? Em termos narrativos, de fato não
se deve esperar nada, e isso é o que se receberá. No entanto,
o ângulo novo que os irmãos Weitz trazem a esta história,
ou melhor que o protagonista Chris Rock traz a este filme, é a
questão racial. Sim, porque pela primeira vez o protagonista desta
"comédia de erros espirituais" é um negro que, morto fora
de hora, acaba voltando à vida no corpo de um milionário
branco. E daí vêm as melhores sacadas do filme: quando se
tem um momento em que o racismo continua forte, mas ser "black" virou
quase uma moda, é muito interessante ver como tanto negros quanto
brancos reagem a este verdadeiro branco de alma negra.
Infelizmente,
por uma questão de comercialização do filme, esta
proposta não é levada às últimas consequências,
porque vemos quase todo o tempo Chris Rock nos momentos em que ele é
apenas a "substância" numa aparência branca. Se víssemos
todo o tempo um branco sendo "possuído" por um negro teríamos
aí sim uma comédia altamente explosiva e incomodativa. Esta
opção do filme embora compreensível de um ponto mercadológico,
cria um segundo problema: Chris Rock é um péssimo ator.
Não há como ver de outra forma a questão: embora
seja um comediante "stand-up" de talento, na hora de criar um personagem
e sentimentos e ações, ele está completamente fora
do seu habitat, e o filme se ressente muito disso pelo que ele tenha de
narrativo e não somente de piadas soltas. Não dá
nunca para acreditar no personagem.
Com
todos estes problemas, e mais ainda a excessiva dose de açúcar
do roteiro na parte romântica, ainda assim o filme tem muito de
interessante, mesmo que tão somente pelo enfoque racial. Porque
o fato é que hoje certas piadas e certas colocações
frontalmente ofensivas podem ser colocadas num filme totalmente dentro
do sistema como este, e isso é muito importante de ser analisado.
Há algumas décadas nada disso seria visto, e há alguns
anos, só mesmo num discurso irado de Spike Lee. Agora, um filme
cômico de grande público pode começar como este, com
uma cena quase "discursiva" sobre racismo. Pode fazer todo seu filme girar
em torno do tema, incluindo alguns momentos realmente pesados (o discurso
de Rock no hospital impressiona), mas acima de tudo, pode fazer piada
de um humor negro (sem e com trocadilhos) ácido, direto e altamente
incômodo, o que é o grande trunfo deste filme, e o que o
torna nada desprezível. Atenção especial ao sutilíssimo
personagem do cantor Phil Kwan, que fica no fundo da cena, mas talvez
seja o comentário mais mordaz de todo filme ao atual momento da
"estética black". Com um ator melhor e algumas opções
menos comercias, este poderia ser um filme-marco. Como está é
apenas uma comédia mediana, com alguns indicadores sócio-políticos
bem interessantes, ainda que de fenômenos latentes.
Eduardo
Valente
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