Os
Cem Passos,
de Marco Tulio Giordana
I
cento passi, Itália, 2000
Antes mesmo do início de Cem Passos uma sombra paira sobre
o filme. Ele próprio, aliás, assume-se sob a sombra de uma
linhagem, a do cinema político italiano, ao reverenciar dois de
seus autores mais importantes, Francesco Rosi e Pier Pasolini, vendo em
ambos uma espécie de bússola. Esse campo de referência,
porém, limita-se à atitude crítica: denuncia e reprova
a contaminação do país pela corrupção.
No entanto, se Rosi e Pasolini buscam uma forma libertária, Giordana,
ao contrário, contrapõe-se ao conteúdo, que faz um
chamado à ordem em um universo de desmandos, com uma estética
conservadora. Seu filme é um discurso progressista embalado em
retórica quadrada.
Ao recolher os artifícios
para se concentrar na mensagem, Giordana cede à tentação
de fazer concessões sentimentais que, ao contrário dos cineastas
reverenciados em dois de seus trechos, reproduzem um sistema criativo
dominante. Interessa-lhe o arroz com feijão: reproduzir fragmentos,
alinhavados para criar um sentido de unidade narrativa, da vida de seu
herói, cujo modelo é extraído da própria realidade.
Líder da resistência de esquerda ao domínio da Máfia
na Sicília, mas cuja importância foi abafada por ter sido
assassinado no mesmo dia da execução de Aldo Moro, o protagonista
é tratado como uma versão siciliana de Pasolini. Seu nome
é Pepino. Membro de uma família ligada à "Famiglia",
tem a cabeça feita por um pintor, comunista de partido, que planta
nele a semente da Justiça. O restante de sua história resume-se
a seu confronto, pela linguagem escrita e verbal, via um programa de rádio
e um jornalzinho, contra os mandões e paus mandados empenhados
em manter o arcaísmo político no Sul da Itália.
Então o motivo
e a relevância de Os Cem Passos está em seu juízo
moral, não em como organiza as idéias cinematograficamente.
Giordana desenvolve uma narrativa de direção transparente.
Parte do pressuposto de que, em obra política, importa apenas o
tema. Nega assim as vertentes similares do cinema moderno, a começar
por alguns dos exemplares do neorealismo, Rosselini à frente, que
adotaram políticas com sua forma inovadora. Giordana acende velas
para seus santos, mas, em vez de dar prosseguimento à obra deles,
por meio de um diálogo atualizado, limita-se a reverenciá-los.
Não se sabe se toma essa atitude por modéstia, algo nocivo
até raras provas em contrário, ou por um gesto político
usado como guia: o investimento em linguagem acessível para ser
melhor entendido. É compreensível, se assim for. Mas não
podemos ignorar que, ao ver na arte um veículo utilitarista, o
diretor nem chega a levantar vôo. Daí a impossibilidade de
sofrer quedas.
Cléber Eduardo
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