Casseta e Planeta – A Taça do Mundo é Nossa, de Lula Buarque de Holanda

Brasil, 2003

A defesa da validade do filme dos Cassetas tem sido feita com base em dois argumentos. O primeiro é o de que, até mesmo ao contrário de Os Normais ou O Auto da Compadecida, trata-se de um material original para cinema, que nada tem a ver com os programas da TV do grupo. Não deixa de ser verdade, ainda que haja a eventual (e até bem vinda) piscadela ao seu modelo bem sucedido (como o telejornal-fake do início ou os números musicais paródicos). Mas, o argumento que parece fascinar a mídia (e os próprios Cassetas mesmo) é o de que "tudo pode ser alvo do humorista", querendo se referir à escolha, que se supõe surpreendente, da ditadura e dos revolucionários como tema de seu filme. Seria um tema muito "delicado" a priori, e é desta delicadeza que eles retirariam uma idealizada "subversão". Ora, o argumento parece, sob qualquer olhar mais sério, um barco furado. Primeiro porque ditadura e revolucionários já não são temas "delicados" há algum tempo, especialmente por serem localizados no tempo. Assim como ninguém mais se assume como "militar linha dura", temos ex-revolucionários no Governo Federal, em momento bem mais "light". Trata-se, em suma, da época em que o Governo de Lula presta homenagens no funeral do "bastião da democracia", Roberto Marinho. Portanto é de se supor que ninguém mais se reconhece nestas imagens e estereótipos que valeriam para a década de 70, o que torna o filme, automaticamente, nada incômodo (a exceção talvez seja o plano final do citado telejornal). Muito diferente (para tratar de um exemplo que os próprios Cassetas não param de citar) de um Monty Python recriando acidamente a vida de Cristo. Até porque a imensa maioria das piadas não só é reciclada e batida, como tremendamente repetida no filme todo (os militares como covardes ou homossexuais, os revolucionários fumando qualquer coisa e completamente sem "objetivos práticos", etc)

Tirada, desta forma, uma possível polêmica do caminho, fica então a pergunta que realmente importa, sendo o filme uma comédia: ele é, de fato, engraçado? Infelizmente, a resposta é não. Ou, para ser mais justo: raramente. E nos parece muito mais interessante parar para analisar os motivos deste fato, que são muitos e passam por quase todos os fatores da construção um filme, do que cair em tola polêmica (que o filme não justifica) sobre os temas e sua adequação á comédia.

1) O filme é extremamente mal realizado. Direção e montagem são constantemente equivocadas, tirando toda a graça de uma série de esquetes pela colocação de um enquadramento, ou mais comumente pelo ritmo completamente errado. Comédia, como se sabe, é ritmo. E neste filme há longas, longuíssimas passagens (de 15 a 20 minutos) completamente letárgicas, onde nem se avança a narrativa, nem se fazem piadas efetivamente engraçadas. Os Cassetas quiseram (de acordo com o press-release do filme) se cercar de "profissionais com know-how", mas desde quando Lula Buarque de Holanda e Sérgio Mekler têm know-how de construção cômica, de narrativa ficcional em longa-metragem? O resultado é um filme constantemente (o que é mortal em comédia) chato. O "know-how" talvez devesse se referir à produção, que de fato está bem solucionada na parte da reconstituição, que alia estilização à uma certa realidade da época. Mas no que realmente importava, ou seja, na construção cômica, o filme parece amador, na melhor das hipóteses.

2) O roteiro sofre de um dilema antigo no tipo de comédia que os Cassetas se dispõem a fazer: até que ponto se deve ou não levar a sério o desenvolvimento dramático, a dramaturgia do filme. Como se sabe, podem ser feitos diversos tipos de comédia, entre os quais existem aqueles mais ou menos baseados em personagens ou em paródias. Podemos pensar, por exemplo, nos filmes de Mel Brooks, que já variaram por mais ou menos "coerência" narrativa, enquanto os filmes dos Zucker e do próprio Monty Python geralmente chutavam o balde muito claramente logo de saída em qualquer "lógica" (basta lembrar a clássica intervenção de uma nave espacial em A Vida de Brian, quase um comentário explícito sobre esta discussão). Pois bem, no filme dos Cassetas, o dilema nunca é resolvido. Há cenas que parecem lá estar apenas para avançar uma história, mas logo depois exista a quebra de lógica interna desta história, sinalizando que não é importante prestar atenção a ela. Aí, fica a pergunta sempre: que tipo de relação deve o espectador estabelecer com estes personagens, afinal? Não resolvido isso, a relação é quase sempre nenhuma. E, se é para ser nenhuma, então o filme perde muito tempo com a história. Prova maior disso é o desfecho que, sob a desculpa de uma certa metalinguagem tola, acaba mostrando nada mais nada menos do que a completa falta de opções de encontrar algum desfecho para a confusão/profusão de histórias e personagens que o filme virou.

3) Há uma diferença básica e essencial entre os Cassetas e o Monty Python que parece escapar totalmente a eles: os ingleses eram, acima de tudo, ótimos atores, cômicos no sentido clássico do termo. John Cleese, Michael Palin, Eric Idle, todos fenomenais – talvez a única exceção fosse Terry Jones, que não por acaso sempre pegava os papéis caricatos (além de Terry Gilliam, claro, que não por acaso geralmente aparecia pouquíssimo). Os Cassetas não são bons cômicos. Eles funcionam, geralmente, no programa de TV até mesmo pela curta duração dos esquetes e pelo caráter puro de comédia pelo esdrúxulo ("Bussunda como Vera Fischer??!!"). Nada disso se sustenta numa encenação para um longa-metragem, e a obsessão em fazer com que todos os personagens, por mais secundários, sejam interpretados por eles (exceção à Maria Paula, igualmente fraca e uma Casseta no fim das contas – e duas ou três participações de poucos segundos) revela-se constantemente um tiro n’água, em especial devido à incapacidade da direção e montagem (como visto no ponto 1) de escapar destes problemas fugindo um pouco das atuações em si. Que se diga: Marcelo Madureira deixa bem claro no filme que se alguém aqui leva jeito pra atuação, é ele, com Reinaldo num segundo lugar distante (funcional ao extremo como a mãe – personagem pequeno que é).

Ora, convenhamos que é difícil para um filme cômico onde o roteiro não funciona a contendo, onde os atores não conseguem imprimir graça por si mesmos, e onde montagem e direção não saberiam esconder as falhas destes dois pontos, ser de fato bom. Há piadas esparsas engraçadas, frases, tiradas, situações eventuais, mas espalhadas ao longo de 90 minutos elas não chegam a somar 10 ou 15. Funcionariam talvez como textos num jornal (como a idéia de Che Guevara vendendo camisestas), como esquetes curtos na TV (os generais brincando de exércitos de bonequinhos, o índio no Museu), eventualmente como personagens (a mãe, Dona Dolores), mas não funcionam jamais como articulação disso tudo num filme. No final, há inclusive uma menção prévia a uma possível rejeição do filme pelos críticos, como se crítico não pudesse gostar de comédia ou de filmes "para entreter". Ledo engano, que tenta jogar nuvem de fumaça no fato mais óbvio: fazer comédia não é fácil e nem para qualquer um. O filme dos Cassetas, no máximo, prova que eles ainda precisam melhorar muito neste meio de expressão. Quantos milhões de espectadores sua exposição de imagem conseguir não é, nem jamais será, prova do contrário.

Eduardo Valente