Casamento
Grego,
de Joel Zwick
My
big fat greek wedding, EUA, 2002
Presente de grego embrulhado para americano
Uma música
"grega típica", empregada para criar um choque étnico
com a cena de arranha-céus de Chicago, abre Casamento Grego.
Temos nessa combinação de som e imagem duas significações
colocadas dentro do mesmo quadro para se oporem uma à outra. A
música traduz a idéia de passado e tradição.
É usada como trilha-sonora dos fundadores oficiais da filosofia.
Coisa dos tempos das cavernas de Platão segundo a visão
instântanea da cultura do fast-food tecnológico. Já
a imagem aérea ilustra um signo de modernidade, símbolo
do novo padrão de civilização (o americano). Esse
contraste tentará ser atenuado pelo filme. Pois o objetivo dessa
comédia romântica pouco romântica é celebrar
a possibilidade da convivência pacífica entre quaisquer diferenças
em um país idealizado como o lugar onde todas as culturas influenciam
umas às outras. Em palavras, é uma beleza. Já na
prática são outros quinhentos.
Mas não seria
o próprio fenômeno de Casamento Grego, com seu sucesso
avassalador nos Estados Unidos, um sintoma do propagandeado hibridismo
da globalização? É uma tentação enxergá-lo
como comédia de costumes sobre uma família grega, que agrada
aos espectadores por radiografar esse ambiente estranho ao "público
médio". Teria papel político de semeador da tolerância.
Mas há uma outra forma de olhar esse mesmo objeto de análise.
Talvez ele seja apenas mais uma prova de como a "diferença"
assimila o padrão de "normalidade" sem deixar de fazer
o marketing da "diferença" na indústria cultural.
Um marketing que, nesse departamento, tem seu apelo. Pois tudo pode dar
lucro se bem embalado para o público certo. E nesse caso o público
certo são todos os públicos.
Vejamos o sintomático
percurso desse produto. Ele foi idealizado pela atriz e roterista Nia
Vardalos, uma descendente de gregos radicada nos Estados Unidos, e produzido
pelo rei do mainstream Tom Hanks. Recusado pelos grandes estúdios
por ser diferente dos padrões, chegou às telas com a cara
padronizada dessas companhias. Embora tenha uma trajetória de filme
independente, foi elaborado dentro dos padrões da índústria
e apadrinhado por um ícone dela. Assimilou o sistema em vez de
ser assimilado por ele e ainda ganhou rótulo alternativo para dar
mais charme à sua alma oficial. E assim vem sendo considerado como
filme feito à margem de Hollywood. Mas de olho nela.
Estamos em um segmento
possivelmente definível como filme americano étnico com
embalagem de filme americano não étnico. O dado étnico
aí é o fato de, no lugar de beldades standarts como Meg
Ryan, Sandra Bullock, Julia Roberts ou Catherina Zeta-Jones, termos Nia
Vadaros como protagonista, mulher sem visual de modelo ou ar de Cinderela.
A atriz é rechonchuda e desajeitada. Talvez seu projeto tenha sido
barrado nas grandes companhias exatamente por tê-la como heroína
romântica. Mas também é esse seu estilo patinho feio
uma das razões do sucesso da jornada da personagem em busca de
aceitação. Como ensinavam nossas avós, toda panela
tem sua tampa. E até aquela balzaca com óculos de nerd e
cabelo desgrenhado, nascida e criada em uma prole de imigrantes espalhafatosos
exportados pela Grécia, terá a possibilidade de arrumar
um homem e tornar-se mais americana. Será então uma normal,
não mais a diferente. Essa transição fala alto à
boa parte dos espectadores e espectadoras.
Os primeiros minutos
compõem uma aula sobre como é a intimidade de uma prole
grega nos Estados Unidos. Os antigos patronos do pensamento e do humanismo
tentam manter vivos seus estereotipados traços originais na terra
dos manda-chuvas da cultura mundial de mercado. Antes no topo da pirâmide
do planeta, condutores do farol civilizatório, os gregos são
mostrados como artigo exótico. Em alguns momentos, até como
bárbaros. Gente incapaz de falar inglês corretamente e presos
a rituais esdrúxulos. Nem por isso são postos à margem.
Porque até o exotismo étnico tem espaço na América.
Continuam sendo vistos como estrangeiros, mas podem levar suas vidinhas.
Só deixarão de ser de fora se assimilarem a América.
Mas o que é
a Améirca? Erguido e mantido na diversidade de origem dos habitantes,
os Estados Unidos ainda vivem uma crise de identidade, expressa até
sem intenção em muitos filmes, como se não assumisse
o caráter de país de imigrantes. Os fundadores europeus
tornaram-se americanos, mas os demais viraram estrangeiros. E a visão
expressa na tela é sobre essa fronteira entre ser americano e ser
estrangeiro na América. Os gregos estão ali na condição
de figurantes que se tornam protagonistas. Estamos em uma história
sobre a assimilação da cultura americana pelos de fora e
não sobre a assimiação dos de fora pela sociedade
americana.
Nia Vardalos debocha
da própria origem para manter distanciamento dela e ainda oferecê-la
como atração do circo para as outras culturas. Investe em
tipos e caricaturas espalhafatosas e folclóricas, talvez para nos
lembrar, insistentemente, que não se pode levar nada a sério.
Mas comédias são feitas em cima de objetos expostos ao ridículo
para o espectador sentir-se normal e superior aos personagens ridicularizados.
E os objetos, aqueles dos quais rimos por serem esquisitos, são
os gregos. Platão e Sócrates teriam material de sobra sobre
o qual refletir. Carl Jung também adoraria avaliar se a consciência
da roteirista legitima o inconsciente coletivo de seu povo ou é
um truque de mercado para vender esse povo ao mundo como mico do circo
eletrônico com o aval de obra semi-autobiográfica.
A própria roteirista
interpreta a solteirona com complexo de inferioridade, alimentado pela
família, que é cobrada a casar logo para não ficar
para titia. Como diz uma personagem, mulher grega é para parir
e cozinhar, não para certas modernidades. A personagem quer romper
com esse raciocínio tacanho e arcaico de sua cultura. Deseja ser
menos grega e mais americana. Quer inserir-se, não ficar no gueto.
Pretende ficar mais bonita e extrovertida como são as genuínas
americanas (segundo sua ótica). Pensa até em aprender informática.
Ela troca os óculos de nerd por lentes de contato, mas não
sabe colocá-las, e dá um trato no visual para ficar mais
femme. Não adianta ser, tem de aparentar. Da cultura das idéias
- agora dos exotismos - à cultura da imagem. Falta apenas fazer
uma lipoaspiração e injetar silicone. A moça quer
sair da toca, olhar para o mundo e ser vista também. Que mundo?
A América, oras bolas.
Para se tornar parte
dessa pátria e não de um gueto dela, a protagonista casa
com um americano de nome Ian Miller. Esse passe de entrada para a identidade
americana atenua o peso de seu sobrenome latino: Portokalas. O contato
com o noivo a leva a ver a família de fora e aceitar com olhar
distanciado a fanfarronice dos parentes. Ao final, explicita: sua família
é daqueje jeito, mas tem de aceitá-la. Que jeito? Um jeito
incomum, exótico, grosseiro. Esse mesmo olhar, sendo ela a narradora,
será o do público. E a idéia é levá-lo
a aceitar aqueles gregos barulhentos com um olhar generoso. Eles são
ali exibidos como bichinhos graciosos e inofensivos, boa gente apesar
de tão esquisitos e uma ótima razão para o nosso
riso, mas não para uma convivência mais próxima.
Cléber Eduardo
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