A
Casa de Vidro,
de Daniel Sackheim
The
glass house, EUA, 2001
Quem assistiu a De Olhos Bem Fechados de Stanley Kubrick não
poderá se esquecer daquela menina prostituída pelo pai e
nada triste por isso, envolvida com dois esquisitos homens, fantasiados
ridiculamente. Depois do olhar surpreso e estarrecido de Tom Cruise, o
espectador tinha o direito de olhar para a menina, que não parecia
nada envergonhada do que fazia. Ao contrário, ela olhava fixamente
para Cruise, vendendo sexo pelos olhos, como se ela tivesse certeza de
que era um de seus objetos inalcançáveis de desejo e desejasse
apenas que ele jamais pudesse esquecê-la. Com ele, sentíamos
a mesma coisa, e ainda pior: tanto quanto para Cruise, o desejo daquela
menina – que parecia circular entre os quinze anos – nos era absolutamente
interdito. Para o personagem do médico em busca da auto-afirmação
de seu desejo, a menina ficou, mas para o espectador, cioso de algum dia
poder revê-la mais tarde, com mais idade, a lembrança do
nome era obrigatória: Leelee Sobieski.
Pois bem: depois de
se apresentar como coadjuvante no lamentável Perseguição
de John Dahl, eis Leelee de volta brilhando nas telas, dessa vez como
uma aluna de 2º grau que perde os pais em virtude de um acidente de automóvel
e deverá morar com os antigos vizinhos, num elegante e ostentatória
casarão isolado em Malibu, Califórnia. É a "glass
house": não só a casa da família Glass, como se chamam
seus novos pais, mas uma casa totalmente com paredes de vidro, onde a
visibilidade é completa (ou quase: num momento do filme Leelee
é salva por uma cortina), onde qualquer barulho pode resultar numa
denúncia de posição. O andamento do filme é
previsível: uma ficção paranóica, em que o
pai adotivo assume o papel de algoz da pobre moça, que não
consegue contar com ninguém para ajudá-la quando ele (um
Stellan Skarsgard cada vez mais canastrão, depois de uma performance
tocante em Ondas do Destino) tenta assediá-la ou é
descoberto fazendo planos para livrar-se de sua recém-chegada prole
(além dela, um irmão menor que adora a nova vida pois pode
comer pizza e jogar videogame à vontade).
Surpreende, além
da cinegenia incrível de Leelee Sobieski, o trabalho de direção
de Daniel Sackheim. Não vem sendo comum assistirmos a thrillers
que se querem justamente como são, thrillers, e pronto.
De lembrança, o último filme bem realizado no estilo é
Breakdown, primeiro longa de Jonathan Mostow, que depois dirigiu
o talentoso (mas de dimensão moral não muito inteligente)
U-571. Com Breakdown, A Casa de Vidro assemelha-se
pela simplicidade (uma casa, umas poucas perseguições de
carros) e acima de tudo pela tensão criada entre os dois pólos
da narrativa, o mocinho e o bandido. O filme mantém o charme e
o suspense até o final, deixando ao longo do filme a terrificante
sensação – sempre necessária nas ficções
paranóicas – de que não há possível saída
do domínio do dominador. Aos poucos, Leelee vai tomando conhecimento
de quem o pai adotivo realmente é (um empresário falido
que motivou o acidente dos pais para faturar o seguro dos filhos) e vai
tomando as providências para fugir com seu irmão para algum
lugar onde não possa ser incomodada. O final, como não poderia
deixar de ser, é um afrontamento dela com Skarsgard, frente a frente,
onde ela terá que superar um trauma inicial (não conseguir
dirigir carros porque se lembra de seus pais) para sair-se bem no confronto
fatal. Como manda o figurino e as regras do gênero.
Mas A Casa de Vidro
não é simplesmente bem-comportado. Mesmo que não
haja maiores pretensões, Daniel Sackheim demonstra uma sutileza
que vem sendo cada vez mais incomum dentro do cinema hollywoodiano, interessado
cada vez mais em grafismos inúteis (Fincher, Crowe), referências
cinematográficas vazias (Dahl, irmãos Coen com um maior
talento) e profundidade artificial (P. T. Anderson, Aronofsky). Assim,
ele pode flagrar Leelee Sobieski sendo vista por Stellan Skarsgard tomando
banho de piscina em plena madrugada e jamais ser trivial, mesmo que a
cena esteja no limite do exploit. Ele fala qualquer coisa, mas seus olhos
não conseguem fugir do corpo da menina. Toda essa disjunção
já basta para dar a medida da seqüência, e ficamos contentados
com isso. A leitura se faz nas entrelinhas.
Ruy Gardnier
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