Capitães de Abril,
de Maria de Medeiros


Capitaines d'Avril, França/Portugal, 2000


O Povo pode

Sendo rápido, quase grosso: Capitães de Abril tem muito valor. Pode-se dizer que ele tem defeitos. Que o roteiro tem falhas, para alguns inadmissíveis. Que a sua contribuição para a linguagem cinematográfica é nula. Sem ir mais longe é correto apontar esses e talvez outros erros existentes no filme. Mas açoitá-lo é um despropósito quando sabemos que inúmeros filmes com esses mesmos defeitos são muitas vezes aturados sem apresentar metade das qualidades que essa obra em questão possui.

Outros podem lembrar que essas qualidades não são tão excepcionais assim. Que o que o filme tem de bom outros também possuem. Figurino, ambientação de época, uma reconstrução eficaz das imagens históricas da Revolução dos Cravos. Tudo apenas muito correto.

Analisar as características estritamente cinematográficas pode não desmerecer totalmente Capitães de Abril mas ao mesmo tempo impede de colocá-lo acima de qualquer outro filme já feito. Quando digo que ele tem muito valor, faço isso através de uma posição, se não totalmente leiga, não específica do pensamento cinematográfico.

Esse valor aparece simplesmente na temática e na abordagem adotada. Foi com esse filme que a tela das salas de exibição se encheram de povo, de vontade popular. No meio de um processo de globalização que tirou todo o poder de decisão da esfera pública a Revolução dos Cravos poderia ser mostrada de uma maneira acadêmica, tocando nas questões históricas e políticas e suas conseqüências apenas. Ao invés disso, o tratamento dado a todos esses eventos sempre exalta a mobilização popular. É ela o principal personagem do filme.

Mais uma vez, é fácil dizer, e com razão, que isso não é grande coisa, não sendo motivo suficiente para aceitar Capitães de Abril como excelente. Mas vale lembrar que fazia muito tempo que não se via tanto poder nas mãos das massas. E, novamente sendo pouco acadêmico, isso surpreendeu, tocou. Finalmente, na hora certa, apareceu um filme que colocou o povo no seu devido lugar, no controle, mesmo que temporário. Foi uma boa lembrança que nos mostra do que somos capazes apesar de sempre parecer que não nos resta muito com o que interferir na história.

Isso não tem valor? Só por ser o filme mais anti-neo-liberal dos últimos tempos já o faz bom demais.

João Mors Cabral