Brava
Gente Brasileira,
de Lúcia Murat
Brava Gente Brasileira,
Brasil, 2000
Desde a leitura de qualquer
sinopse do filme de Lúcia Murat percebe-se o potencial inegável
para uma fábula que, embora baseada em fatos reais, na verdade
funciona como um mito fundador, uma metáfora para a criação
do Brasil e uma crítica à idéia de miscigenação
pacífica e acolhedora como início do povo brasileiro. Embora
este diferencial seja o que pudesse dar uma elevação ao
filme, no fim acaba sendo a grande armadilha que o impede de alçar
vôo.
Na verdade, todo filme que
se coloca com significados maiores que o da história que vai contar,
de forma extremamente pré-concebida corre este risco. Uma coisa
é o filme se dispor a contar uma história, e a posteriori
poder ser interpretado como significando muito mais. Uma outra coisa é
a disposição do(a) cineasta de, já no nascedouro
do projeto, realizar um projeto deste tipo. Porque, basicamente, se o
cineasta não tiver muito auto-controle, pode acabar mergulhando
numa corrente de auto-importância bastante perigosa. É isso,
em parte, que acontece em Brava Gente Brasileira. Percebe-se nos
diálogos, na encenação das situações,
na atuação de alguns atores, uma vontade excessiva de "ser
mais", de significar demais, e com isso, acaba soando falso. Para
ser bem específico: enquanto Diego Infante consegue dar a seu personagem
humanidade e dilemas, Floriano Peixoto e Buza Ferraz interpretam demais,
o tempo inteiro. São personagens de papel e caneta, enquanto Infante
parece uma pessoa plausível. Não é o caso de se querer
aqui um "realismo" nem nada assim, desde que o artificialismo
seja abraçado como tal, o que não é. Há sim
um realismo mal sucedido nestes personagens, e isso é sempre um
problema.
Mas, Brava Gente Brasileira
está distante de ser desinteressante. Afinal, no coração
de sua trama há sim uma situação fascinante. Dá
para entender perfeitamente, inclusive, o que levaria uma cineasta a se
empolgar com esta história, pois a fria trama de vingança
e vitória tramada pelos índios é de fato intrigante.
E há no filme uma quietude, uma narrativa de "não-acontecimentos"
que cria um clima bastante selvagem e despojado, interessante mesmo. Há
uma reconstituição de época sem pompas e crua muito
adequada. E há ainda momentos e subnarrativas que até suplantam
em interesse o fato principal, como a relação do personagem
de Floriano com o pequeno índio. Se o filme não parece chegar
a completar tudo a que se propunha talvez seja porque se propunha a fazer
muito. Mas, não se pode negar uma grande paixão pelo projeto
que emana da tela e dá a ele uma vitalidade que, se não
se espalha por todos os pontos, certamente não permite que ele
se perca de todo.
Eduardo Valente
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