Bossa
Nova,
de Bruno Barreto
Bossa Nova, Brasil, 1999
Bossa Nova tem tantos
motivos para agradar quanto motivos para desagradar. Afinal, o modelo
cinema-de-exportação está todo lá, a imagem
que se constrói da cidade é perfeita como um cartão
postal, a pobreza está definitivamente excluída de todo
o processo, etc. Mas há algo que em alguma medida comove em Bossa
Nova. Jamais Bruno Barreto havia se entregado com todo o coração
aos seus personagens. E é o tamanho carinho para com eles, a impressão
que fica ao final do filme é que o amor tema do filme, uma
história "de amor" é o amor pelos personagens
e pelo cinema.
Mentiu-se intencionalmente
quando se disse que Bruno Barreto jamais havia feito coisa assim;
mentiu-se ao menos em parte. Porque há pelo menos um plano em sua
obra que já revelava um pouquinho do amor de Bossa Nova:
quando, em Romance da Empregada, filme desigual mas amável,
as domésticas passeiam de barca e cantam um sucesso de Roberto
Carlos. Esse tipo de amor, de devoção à história
a ser contada, depois disso, desaparece bruscamente de sua carreira, como
num aborto intencional. Sua carreira americana e seus filmes brasileiros
podem até encarar o tema, mas é sempre com uma mão
pesada de roteiro sistemático e fechado, como um sapo que recebeu
um banho de areia e morreu sem poder respirar. Bossa Nova, ao contrário,
é inesperadamente cheio de ar.
Livremente adaptado de uma
novela de Sérgio Sant'anna, Senhorita Simpson, Bossa
Nova guarda de sua matriz aquilo que deveria: a graça e a espontaneidade
do linguajar ao retratar um grupo bastante heterogêneo de pessoas:
um advogado de meia idade recém-desquitado; sua ex-esposa, amigada
com um chinês; um jogador de futebol que foi vendido ao exterior;
um alfaiate tímido e apaixonado; uma modernete estudante de direito
(quase um contrassenso!); uma americana professora de inglês e uma
aluna que vive procurando seu amor na internet. Lição de
contemporaneidade, pois: poucas vezes o cinema brasileiro "de gênero"
se mostrou tão aberto e tão empenhado em narrar a sua própria
época, tão cheio de vontade de mostrar o seu cotidiano.
Num cinema que cada vez mais se prende aos grandes discursos laudatórios
dos "nomes da história" do Brasil, à narrativa
mitológica de um país que nunca existiu, Bossa Nova
injeta um gás de reanimação.
O andamento do filme é
um tanto romanesco, e logo em sua primeira seqüência, tudo
fica claro. Trêbado, cambaleante, Antônio Fagundes caminha
de terno pela praia. Ele não percebe, mas quem reluz em sua frente
é Amy Irving, que está se preparando para seu mergulho matinal.
Quando a câmara acompanha o protagonista, vemos para onde ele se
destina: para o encontro de sua ex-mulher, que pratica um desses exercícios
chineses (o tal amigado é o professor). A intriga do filme é
justamente o processo pelo qual o personagem de Fagundes deixará
de olhar para a ex-mulher e passar a prestar atenção na
professora americana. Há sub-intrigas: o pai que vai perder a alfaiataria
que é a vida dele, o trivial jogador de futebol que quer papar
todas as mulheres, as múltiplas mentiras que a internet possibilita...
(outras possibilidades de personalidade, posição social,
estética, etc.). Mas o filme é desigual: em momentos é
mais esquemático do que deveria, e às vezes apela para um
humor fácil demais. Todavia, sabe ser sério nos momentos
certos, e a cena do cemitério é pungente tanto pela beleza
plástica da composição quanto pelo "jogo de
poderes" das pretendentes a ser o ombro amigo do filho do morto.
Bossa Nova é uma surpresa bem-vinda e, acima de tudo, uma
nova possibilidade para o cinema institucional brasileiro (os Barreto,
Rezende, Paulo Thiago) ganhar alguma fome de real.
Ruy Gardnier
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