A Isca Perfeita,
de Jez Butterworth

Birthday girl, EUA/Inglaterra, 2002


Analisada a trama de A Isca Perfeita podemos pensar que já vimos este filme inúmeras vezes, e não estaríamos errados (pelo uso de situações e personagens conhecidos, podemos pensar sobretudo na Sereia do Mississipi de Truffaut). No entanto, o jovem diretor Butterworth demonstra uma inesperada capacidade de filmar esta história com uma dose de charme, e principalmente, estranheza, que dão a ela novo interesse. Por estranheza não se pense aqui em cenas bizarras ou comportamentos ou personagens surreais, porque esta se dá de forma bem mais sutil. Nos pequenos gestos, nas reações, na atenção ao detalhe, é que o diretor consegue imprimir um interesse ao seu filme acima de sua simples trama. Há sempre nas cenas um pequeno detalhe de encenação, de cenário, de tom, onde a história parece ser contada menos pelo que se deixa claro e mais pelo que vamos lendo nas entrelinhas. Há pequenas e preciosas piadas (como a do suborno ao funcionário do hotel para dizer em que quarto estão dois personagens apenas para ele dizer, após pegar o dinheiro, com toda a seriedade: "só há um andar no hotel"), há jogos de olhares e de papéis representados, como toda boa trama que envolve mulheres e crimes.

A principal forma com que o diretor consegue isso é, claramente, o trabalho do casal principal de atores. Ben Chaplin, que interpreta o protagonista, consegue fugir do estereótipo do "nerd" solitário que encontra uma mulher que muda sua vida. Foge, principalmente, pelo seu estado de constante surpresa com tudo que acontece à sua volta e que, claramente, foge do seu controle. Há na sua interpretação tanto os mínimos detalhes do maravilhamento inicial que aquela mulher provoca, como a profundidade da desilusão de ser enganado por ela. Como a mulher, Nicole Kidman tem a chance de trabalhar não só com sua beleza e sensualidade, mas também com a sensação de uma "mulherzinha", o que é o mais raro em sua carreira. A "mulherzinha" que consegue ser um mulherão, fato que nem toda atriz pode interpretar, mas que Nicole é. As primeiras cenas, em que ambos estabelecem sua relação principalmente pelo sexo, são muito bonitas.

A partir da atuação dos dois, Butterworth consegue manter a atenção do espectador justamente porque não cai nas armadilhas mais óbvias do roteiro: nunca há uma explosão de heroísmo, de redenção, de descobertas. Tudo no filme e nas relações entre os personagens é gradual, desconfiado, sem tons mais fortes. Isso ajuda a manter o espectador constantemente despreparado para o que virá a seguir, uma vez que nunca conseguimos chegar a filiar nenhum dos personagens a uma linha de ação constante. Há a sensação (muitas vezes confirmada) de que toda vez que um personagem dorme, quando ele acordar o mundo à sua volta pode estar completamente mudado, e as regras do jogo serem muito diferentes. Isso mantém o espectador no mesmo estado de tensão. Com seu ritmo particular, com sua sutileza bastante fina e com seu trabalho de atores delicado, o filme consegue nos fazer passar por cima de uma trama conhecida para simplesmente acompanhar como 4 personagens a viverão. Se não tenta vôos altos, o filme pelo menos está bem acima da altura padrão das realizações recentes de um certo cinema de gênero entre o policial e o romântico. Não insulta a inteligência e mantém a atenção o tempo todo, o que já é muito.

Eduardo Valente