Billy
Elliot,
de Stephen Daldry
Billy Elliot, Inglaterra,
1999
Ver um filme no cinema
nunca é tão fácil como qualquer um gostaria. Não basta sentar na cadeira
e simplesmente olhar a tela preparando uma avaliação pessoal para o final
que vai dizer se o que se viu é bom ou ruim. Ir ao cinema envolve muito
mais. Pode ser muito doloroso, incômodo, instigante se, é claro, estivermos
dispostos a sentir prazer desvendando as construções obscuras do filme.
Natural para uns, nem tanto para outros, o importante é saber que sempre
se pode perceber muito mais do que se julga possível em qualquer obra.
Um ponto de partida: nunca separar o filme do seu contexto.
Quando se faz isso
com Billy Elliot o filme deixa de ser apenas a comovente estória
do garoto que deu duro, enfrentou preconceitos e se tornou um bom bailarino
para passar a ser uma obra politicamente posicionada e comprometida com
algum julgamento social. O filme que é muito bem filmado, escrito e dirigido,
ele que tem uma reconstituição de época perfeita, que é impecável cinematograficamente,
vira um projeto muito bem estruturado de difusão de ideologia trabalhista
neoliberal inglesa. Muito perigoso.
Se for impossível
não ser chamado de maldoso, por querer achar coisas feias até no mais
inocente dos filmes, é igualmente impossível ignorar esse lado comprometido
com o discurso econômico e social dominante existente em cada pedaço de
Billy Elliot. Justamente por trás do menino que dança balé e seus conflitos
está o retrato de uma Inglaterra formada por uma classe trabalhadora que
luta por seus direitos, faz greve, briga com a polícia. Mas trata-se de
uma reconstituição de época. Isso é passado e filmar tal mobilização no
presente exige uma crítica ligada a essa atualidade. Se a intenção é fazer
com que todos pensem que os problemas, conflitos da classe trabalhadora
são os mesmos, assim como suas soluções, comete-se um erro grosseiro.
E é exatamente ai que está todo o perigo do filme. As relações de trabalho
no “novo capitalismo global” mudaram. Direitos trabalhistas são descartáveis.
A terceira via, tão defendida por ministros ingleses sabe disso, mas,
traiçoeira, mente. Seus discursos recheados de boas intenções são a fachada
que tapa o festival de desmonte de direitos da classe trabalhadora.
E Billy Elliot
mostra um passado de glória, mas foi filmado agora, em plena época de
destruição das conquistas ali alcançadas. Fenômeno muito comum hoje em
dia. É mais um para falar sobre justiça trabalhista sem realmente agir.
Nem um reflexo de ação na estética. Tudo está contido, muito hermeticamente
fechado no discurso. Isso sim é o mais claro caso de cinema de catarse.
Aceitação total de
uma realidade, sem esboçar uma crítica sequer. Lembro que esse é o primeiro
longa de um diretor que já trabalhou bastante na BBC, o mais importante
instrumento de controle de massas, vinculado aos interesses do estado
que faz trabalhadores de bobos.
Billy Elliot
me mete medo. Torço o nariz, desconfio. Sou maldoso mesmo.
João Mors Cabral
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