O Beijo do Dragão,
de Chris Nahon

Kiss of the dragon, França/EUA, 2001


Talvez a principal diferença entre Jet Li, estrela deste filme de ação, e Jackie Chan, seja que o primeiro se leva a sério. Ou seja, aparentemente ele tem uma "imagem a zelar", enquanto nos filmes de Chan a primeira coisa a ser constantemente anarquizada e ironizada é sua auto-imagem. Porque, fora isso, o maior atrativo nos filmes dos dois é inegavelmente o mesmo: as sequências de luta que são no cinema de hoje o que mais perto chega do efeito e da técnica das coreografias dos musicais hollywoodianos. Impressiona o grau de elaboração, e mesmo de absurdo, que pede assim como nos musicais um alto grau de abstração da realidade pelo espectador. Por isso mesmo, faz mais sentido o approach de Chan, uma vez que as cenas por si mesmas são tão insanas. Neste filme, por exemplo, Jet Li faz embaixadinhas e acerta um bandido a distância com um "sem-pulo" dado numa bola de sinuca (coisa que nem os melhores jogadores de futebol fariam com facilidade), e em outra cena entra numa sala de treinos com uns 30 policiais treinados em kung fu, os quais enfrenta e espanca, sem pena. As cenas são todas deliciosas, diga-se, lúdicas mesmo. O problema é o estofo de trama que escolhe por seguir.

A grande surpresa é saber que o filme, e o diretor, são oficialmente franceses. Porque parece um daqueles filmes tipicamente hollywoodianos filmados fora dos EUA e difamando tudo que possa ser nacional naquele lugar. Assim que vemos uma bizarra Paris de prostitutas fashion, polícia completamente inepta e corrupta, e um dos homens mais maus de todos os tempos no cinema, interpretado por Tcheky Karyo. Por outro lado, os personagens de Li (chinês no filme também), e em especial de Bridget Fonda (que interpreta mais uma prostituta de bom coração, pobre menina do interior dos EUA enganada por um francês e abandonada às ruas), são tão estupidamente bondosos, compreensivos e generosos, que chegam a ser irritantes a qualquer um. Nesta gigantesca luta entre Bem e Mal, com letras maiúsculas ao extremo, a lógica indica que tudo de francês é ruim, e tudo de americano ou chinês é bom. Parece um filme sob medida para os tempos atuais, com a necessidade de contatos econômicos firmes com a China.

Mais difícil é entender a relação do filme com a França. É difícil acreditar que o filme possa agradar a qualquer espectador lá, com o alto grau de orgulho nacional. Não por acaso, fica mais fácil entender que o roteiro é de Luc Besson, que sempre foi o francês com mais vontade de ser americano.

Baseado num maniqueísmo tão grosseiramente narrado, e acima de tudo, numa lógica da justificativa da violência pela vingança (algo também absolutamente atual), que leva a uma cena final tão violenta e sádica que não se pode descrever, o filme não possui a graça nem o interesse dos filmes americanos e multiculturais de Chan. Sobra um emaranhado de clichês onde a arte de Jet Li até aparece, mas está longe de salvar o todo.

Eduardo Valente