Beautiful
People,
de Jasmin Dizdar
Beautiful People, Inglaterra,
1999
As formas de se contar uma história
são e serão sempre infinitas. No entanto, nos anos 90, o
cinema mundial viu mais do que nunca a utilização desenfreada
de dois formatos narrativos: a narrativa circular, na qual o final se
conecta com o início, e o filme-painel, onde histórias de
personagens diferentes vão se cruzando em montagem paralela. Pois
bem, Beautiful People é mais um exemplo do chamado "filme-painel".
E ainda assim, consegue instaurar algum frescor neste tipo de narrativa
usada em excesso. Qual seria o motivo?
Na verdade, o motivo é bastante simples
de ser encontrado: o tema. Embora o filme seja um ensaio sobre a guerra
e o exílio, a partir da guerra da Bósnia, o real retrato
composto, e que acaba sobressaindo, é o da grande metrópole
multicultural da globalização, suas contradições
e qualidades. Pois bem, dentro deste contexto, a utilização
da guerra como pano de fundo (e brevemente como paisagem principal) representa
a novidade que consegue surpreender. A relação estabelecida
entre narrador e platéia também impede que o filme caia
nos velhos golpes dos filmes de guerra, pois o diretor mantém o
filme num inesperado equilíbrio entre a comédia e o drama
que funciona ao surpreender sempre. E a sua forma de retratar a mídia
(TV, rádio) empresta uma urgência muito grande ao filme,
já que a relação entre esta e a realidade se confunde
entre a reportagem e a influência, o tempo todo.
A ascendência bósnia do realizador
empresta ao filme o tom operístico e surrealmente engraçado
tão típico do imaginário cinematográfico dos
países bálticos, já explicitado nos filmes de Kusturica,
mas não apenas. Os iugoslavos como um todo possuem uma tal mistura
sangüínea onde se pode ver traços de culturas muito
distintas, desde a propensão eslava ao belicismo até o bom
humor e a imaginação latinas. Não por acaso chamavam
a seleção de futebol iugoslava dos "brasileiros da
Europa". E isso se reflete no filme, que nunca permite uma rendição
ao dramalhão barato, nem ao naturalismo redutor. Uma guerra, ele
parece dizer, é sempre hiperreal, e por isso mesmo, surreal. O
olhar de Dizdar surpreende ainda por estar sempre ligado ao estrangeiro.
Na Londres mostrada, a mediação é sempre o olhar
do imigrante. Na guerra, na Bósnia, vemos as cenas como um estrangeiro
que cai (literalmente, no caso) de pára-quedas naquela situação.
Por fim, deve-se elogiar a disposição
do diretor em não se ater a clichês tão fáceis
(talvez a única exceção seja a família do
deputado) quanto se poderia usar numa situação de guerra.
Talvez isso aconteça pois na guerra dos Balcãs é
muito difícil distinguir certo e errado, ao contrário de
uma Segunda Guerra. Isso é demonstrado nas cenas do sérvio
e do croata no hospital. Mas vale para todos os personagens. Não
é fácil tomar posição. Vê-se a humanidade
de todos, e torcemos para a paz final, sempre. Afinal, não é
todo dia que um filme mostra a heroína como maior alívio,
quase herói, numa guerra. Nem a alegria advir de um bebê
chamado Caos. Estes são os tempos modernos, indica Dizdar: nem
sempre é fácil saber quem está certo, nem sempre
é fácil tomar decisões, mas a gente vai seguindo,
de preferência uns se escorando nos outros, atrás de abrigo.
E quando no final ele indica uma porta de alegria, ele não propõe
que se apaguem as memórias da guerra (a cena do discurso do casamento
é memorável), muito pelo contrário, mas que se siga
adiante, uns com os outros.
Eduardo Valente
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