O
Barato de Grace,
de Nigel Cole
Saving
Grace, Inglaterra, 2000
Há alguns
anos, num programa de entrevistas, Lobão, sempre um cara com tiradas
interessantes, disse que num mundo onde todos os "playboys" e reacionários
de elite usam drogas em todas as suas festas, revolucionário era
ser careta. Não há frase que mais passe na cabeça
de quem assiste a este O Barato de Grace do que esta. Afinal, a
partir do momento em que o uso de drogas pode ser retratado com destaque
num filme sem maiores posições contrárias, e ainda
assim o filme ser tão completamente desprovido de interesse como
este, é porque o revolucionário de novo é ser careta.
Sem dúvida, conteúdo não é toda a história
de um filme, e tantos já tentaram ser democratas filmando de forma
fascista, e até mesmo no caminho contrário. Então,
fica a certeza: tratar de drogas não faz nenhum filme ser de vanguarda,
quando sua forma é tão perfeitamente "educada" como a deste
aqui.
Em
última instância, só poderia achar este filme vanguardista
um autêntico moralista, porque acharia que só fumar maconha
é em si algo impressionante. No entanto, quem quer que não
tenha em conta este código moral, percebe que ir contra a convenção
é maior do que isso. Basicamente, ser verdadeiramente antimoralistista
é estabelecer seu código moral, e uma vez feito isso, defender
(ou ao menos compreender) mesmo aqueles que o infringem. Estes são
os grandes filmes, os que abraçam o erro, a contravenção.
Mas não a contravenção das regras sociais vigentes,
pois estas são em si mesmas ultrapassadas por definição.
Abraçar e compreender a contravenção ao código
"pessoal" de cada obra. E isso, este filme nunca faz. Afinal, ele considera
que fumar unzinho pode ser normal (mas, afinal de contas, a minha avó
também pode achar isso), mas vilaniza da mesma forma o "marido
morto e canalha", e faz do ato marginal dos personagens de plantar maconha
para vender algo criminoso, tanto que entre os dois mocinhos, um se arrepende
e cai fora para os braços da família, e a outra não
completa de qualquer jeito o ato, não maculando portanto seu valor
como personagem "do bem". Disfarçado por trás de uma nuvem
de fumaça de vanguarda, o filme é tão somente diversão
o mais retrógrada possível para aqueles espectadores que
uma vez fumaram (ou quiçá ainda fumem) sua maconha, mas
que acham errado o traficante. E pior: chutando o balde da geração
do desbunde, o filme acha legal a maconha como forma de conseguir dinheiro,
o bem sempre maior. Ou seja: é simplesmente o mercado do cinema
se adaptando aos novos tempos, aparentemente expandindo seu nível
de aceitação, mas no fundo apenas abrindo mão do
que seja definitivamente ultrapassado para continuar pregando os mais
intrínsecos valores "morais" retrógrados.
Ah,
titio crítico chato, então não dá nem pra
rir do filme? Claro que dá, mas no fundo muito menos do que ele
pensa. É verdade, há sacadas, como o policial que se revela
menos burro que o cineasta faz a platéia crer; ou o traficante
que joga Dungeons and Dragons com a esposa. Mas, só consegue rir
desbragadamente quem acha profundamente "marginal" ver pessoas sob efeito
de maconha, ou seja, todos que jamais tenham ouvido falar de um Easy
Rider, de um Hair, dos primeiros filmes de Almodóvar
ou dos filmes de Cheech and Chong, só para citar os mais óbvios
entre tantos exemplos. Ou seja, todos que estejam com pelo menos 40 anos
de atraso no seu código moral. São muitos ainda, sem dúvida.
Mas vale a pena elogiar algum filme por isso?
Eduardo
Valente
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