Bad
Boys 2, de Michael Bay
Bad Boys 2, EUA, 2003
A primeira curiosidade que um filme como
Bad Boys 2 desperta é: para quem exatamente ele foi feito?
Que tipo de espectador o diretor Michael Bay tinha em mente? A pergunta
surge ao longo da projeção quando se percebe a tática
adotada pelo diretor na sua relação com o seu público.
Porque, em linhas gerais, o que Bad Boys 2 promove é um
assalto à sensibilidade do espectador.
De certa forma, estamos no ponto limite de
uma certa proposta de cinema. Entre outras agressões colocadas
por Bay, temos câmeras seguindo cápsulas até que elas
perfurem corpos (rodados com o máximo de tesão sádico
pelo cineasta) e uma perseguição de carros onde a certa
altura cadáveres começam a se espalhar pelo o chão
(com closes de carros os dilacerando); em uma perseguição
anterior, carros são usados com a mesma função, e
para Bay não parece haver muita diferença entre veículos
automotores e cadáveres. Mas o que mais assusta aqui não
é o que é mostrado, mas a disposição do cineasta
em partir do princípio de que já não sentimos nada
nessas cenas alem de algum reação direta estimulada por
ele quase como se tivesse a levantar plaquetas tipo "excitante" ou "engraçado".
Qualquer tipo de reação a estas imagens que não sejam
essas nos parece ser um direito negado, algo que Bay parece se dedicar
a suprimir.
O filme tem 2h25. Se um filme cuja trama
– dupla de policiais tenta prender traficante cubano malvado – não
justifica uma duração dessas é este. Mas para conseguir
o que Michael Bay propõe, o filme precisa do tempo que tem. O jogo
de agressão da percepção que o filme pratica precisa
ser desenvolvido aos poucos. Há um trabalho particular com imagem
(e com som ensurdecedor) que vai sendo desenvolvido aos poucos. A forma
de Bay é canhestra (seus planos mal conseguem dialogar um com outro,
algumas das cenas de exposição tem decupagem francamente
constrangedora), mas o que impressiona é como elas chegam a nós
com um excesso e um peso como se quisessem se impor nas nossas retinas.
Há algo extremamente violento nelas, e não só no
conteúdo, mas na forma como Bay filma corpos em movimento (é
impossível pensar em seres humanos aqui). O filme precisa dos seus
145 minutos para acumular este processo de transformação
do espectador em um autômato que o diretor parece perseguir desde
os primeiros planos. Ao final, caso o diretor tenha feito com o espectador
o que pretendeu, deve-se aceitar passivo essas imagens, perder qualquer
senso em relação ao que esta vendo. Imagens essas que te
fazem pensar num snuff movie (o filme é um prato cheio para
aqueles dispostos a pensar na tolerância que o cinema contemporâneo
tem com relação a violência se comparada ao sexo).
Tudo isto por quê? Quando o filme chega
no seu clímax, as coisas começam a ficar mais claras. É
ali que a máscara de filme de guerra urbano que Bay havia imposto
cai e percebemos que estamos mesmo num filme de guerra. A meia hora final
(uma espécie de remake da fantasia de vingança que
encerrava Pearl Harbor) explica todo o fascismo e xenofobia (os
traficantes do filme são todos cubanos, haitianos ou russos) que
acompanharam o bombardeio visual das duas horas anteriores. Estamos mesmo
diante de uma grande peça de propaganda: uma apologia do direito
americano de invadir quem quiser para eliminar o mal (com direito a cena
que justifica a falta de utilidade das saídas diplomáticas).
O clímax do filme é uma invasão
a Cuba (onde os heróis enfrentam inclusive o exército cubano,
que óbvio, protege os traficantes). Com o máximo de explosões
e destruição quanto possível. Ela inclui a provável
cena mais impressionante do filme pela forma calhorda que ela se apresenta:
os heróis Will Smith e Martin Lawrence destróem toda uma
favela no meio de uma perseguição de carro. A imagem que
vemos é a de um bando de barracos sendo prontamente destruídos.
Só isso. Imaginamos que as pessoas levando suas vidas ali dentro
estão sendo sumariamente destruídas junto com os barracos.
Sobre isso, o filme não se pronuncia. De certa forma, é
só uma extensão da grande sacada de George Lucas com Guerra
nas Estrelas (e desde então muito bem adotada pela mídia),
de que o espectador tolerará qualquer massacre desde que não
veja os corpos. Só que a seqüência é construída
entre a alternância de planos externos, do carro destruindo a favela,
e internos, onde Smith e Lawrence parecem estar se divertindo muito com
aquilo tudo. È tudo uma grande piada. Há uma cena razoavelmente
similar em Police Story de Jackie Chan. Mas as diferenças
entre elas diz muito sobre o projeto de Michael Bay. Lá também
temos uma favela sendo destruída numa perseguição
de carros, mas Chan alterna planos de cima (como todos de Bay) com outros
filmados debaixo. Temos a noção ali da correria das pessoas
que habitam aquele lugar, temos o senso de destruição que
afeta o humano, algo que não pode sequer ser considerado num filme
como Bad Boys 2. Os filmes anteriores de Bay eram frágeis
e mal resolvidos, mas nada neles prepara para a visão de uma obra
tão repugnante e medonha como esta.
Filipe Furtado
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