A
Vida de David Gale, de Alan Parker
The Life Of David Gale,
EUA, 2003
Alan Parker é
o tipo de cineasta que se equivale a um bêbado na ladeira, quando
um filme de sua autoria é submetido à análise crítica.
É comum o uso de expressões do tipo "mão pesada"
ou "ideologia maniqueísta"nos textos sobre seus filmes.
Então, primeiramente, devo dizer que não estou entre os
que acham sua obra nociva ou mesmo insignificante, tendo apreciado alguns
de seus filmes, com certo entusiasmo para Coração Satânico,
Birdy e até mesmo Evita (que muitos não quiseram
entender). É um diretor de mão pesada, é fato. Tende
a soluções simplistas, para não dizer reducionistas.
Mas é bom artesão, quando fatores como roteiro e escolha
de atores ajudam, o que não acontece há anos.
No entanto, é
necessário dizer que A Vida de David Gale é indefensável.
Para começar, é difícil tolerar o maneirismo na introdução
dos flashbacks. Como eles acontecem durante todo o filme, ficamos nos
perguntando o porquê de tanta afetação. David Gale
(vivido por Kevin Spacey) é um professor que está no corredor
da morte, condenado por estupro seguido de assassinato, e narra as circunstâncias
que o levaram a tal situação a uma jornalista interpretada
por Kate Winslet. Esta resolve investigar, com esperanças de anular
a sentença. Parker pretende discutir a pena de morte, disfarçando
suas ambições pólíticas com um thriller de
desenvolvimento desastroso.
Mal atuado, mal decupado
e mal encenado, ao filme resta o que poderia ser as entrelinhas, ou seja,
demonstrar a fragilidade da ideologia do "olho por olho, dente por
dente" fortalecida interna e externamente pelo governo brucutu de
George Bush. Mas também nesse quesito Parker faz feio. A martirização
de um personagem em favor de uma posição política
pré-concebida é quase sempre um recurso dos mais rasteiros,
mas aqui toma proporções ofensivas. A tentativa de choque
vira um tiro pela culatra, já que o artifício (o qual não
convém revelar aqui) é dos mais repugnantes e sádicos
já levados ao cinema.
Quem viu Crime
Verdadeiro, o genial filme de Clint Eastwood sobre o mesmo tema, sabe
que existe um abismo entre os diretores. Onde Eastwood interroga, Parker
arrogantemente responde. O que um filme tem de sutil e humanista, o outro
tem de panfletário e falso moralista. Arquivemos A Vida de David
Gale, portanto, como um tremendo equívoco, e como um sinal
de que a carreira de Alan Parker já não desperta o menor
interesse.
Tiro de misericórdia:
nada contra a assexualidade do diretor, mas filmar Kate Winslet com pudor
de coroinha que filma um padre é um pecado dos mais graves. Menosprezar
o apêlo carnal dessa atriz formidável é um fato que
leva à constatação de que Alan Parker não
tem o menor tesão de filmar.
Sérgio Alpendre
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